Quero dizer o seguinte:
as águas azuis viram do avesso
os ossos desfiguram a eternidade
as épocas caldeiam a bondade
as mãos trémulas agarram os beijos
a ternura é inacabada
e o mais que possa ser bálsamo
e que as palavras tornem indizível,
como:
as cinzas do mar
a chuva das montanhas
os lagos emparedados
as lágrimas furtivas
a pele suave, aveludada, tingida a cobre
os olhos que escorrem mel de urze
os pés que sabem o odor da terra
os frutos arrancados às árvores
as cruzadas que se terçam em preces e não
só
os jogos que não importa perder
e a espuma do mar cristalizada na areia.
Quero dizer o seguinte:
que do tempo não sou timorato
autor relâmpago descarregando a fúria de
antanho
do alto da pirâmide domador de elementos;
tomo os sabores do mundo na palete das
cores
e respiro o ar puramente ecológico;
sinto-me maior que a minha estatura
espelho radioso multiplicando os raios de
sol
leito resguardado nas palmas das mãos
mar inteiro aberto aos viandantes
ou poema sempre inacabado
à espera de estrofes antolhadas na
garganta.
E quero, ainda, dizer o seguinte:
não quero dormir
se não nos sonhos embelezados;
não quero enfurecer
se não nos volteios iracundos das ondas
tempestuosas;
não quero traduzir em palavras
o que só se sente nas veias;
não quero os esteios da solidão
se não quando multidões ferem com punhal;
não quero as polémicas que alojam
insónias
se não quando as rugas se anunciam;
não quero chaves nem fechaduras
se não para embotar as janelas
desconhecidas;
não quero a aridez das ideias beatas
se não quando a água transbordar das
margens;
não quero alijar as memórias que
angustiam
nem quando o suicídio do ser se levanta;
não quero mágoas nem excitações espúrias
apenas os predicados do recato dentro das
baias da alma.
Não quero saber do que não quero
se não dizê-lo em estrofes que excruciam.
Pois, talvez, não haja valimento nas
proclamações
e faça sentido nada dizer.
Era o que queria dizer.