14.11.14

Dúvida metódica

Não sabia que as velhinhas alojavam sapiência
não as sabia tutoras da erudição.
Talvez seja por envergarem as vestes negras
da perene viuvez que as desvia dos prazeres.
Não sabia que uns eruditos medram nos esgotos
não os sabia arrevesados cultores da inanidade.
Talvez seja por terem tempo de mais na ludoteca
e se distraírem com a imagem magnífica de si mesmos.
Não sabia que há gente que se desonera de cuidados seus
não os sabia tão generosos com os cuidados alheios.
Talvez seja por precisarem de cuidados intensivos
dos cuidados que esbracejam sua frágil condição.
Não sabia da maldade congénita
não a sabia património da espécie.
Talvez seja da ingenuidade que me consome
da ingenuidade que fermenta o incrédulo.
De não saber que tanta coisa existe
das coisas que
(vai-se a ver)
estão à distância de um palmo dos olhos amarrados.

7.11.14

O colo do mundo

Um diamante em riste
as armas que terçar não é preciso
a demiúrgica face descoberta de espinhos
um rosário caleidoscópio
e os braços bem abertos
desejosos de recolher em seu regaço
o legado do mundo
o mundo inteiro
(se preciso for).
E deitado sobre o próprio regaço
admirar o mundo
de que se fez tutor.

6.11.14

Fogueira alada

Sobre a cama de fogo
onde crepitam as pepitas prateadas
dançam as mãos trémulas;
hesitam
dão um passo em frente
acamam sobre a pele acetinada.
Refulgem com a luz que vem da pele
e dançam em círculos
pedindo carne doce
enquanto a lareira afaga seu fogo
e empresta luz à coreografia dos corpos.
Na cama de fogo
os amantes despojam-se de peias.
Intrépidos
cúmplices
na vertigem do desejo
enquanto os sentidos
desenham palavras que não se escrevem.
Enquanto os estorninhos ciciam
o canto dos amantes.
Enquanto a nau toma rumo direito
entre águas enfurecidas.
Enquanto os olhos se fundem
e o gelo todo se consome na chama que crepita.