10.5.07

A candeia e as lágrimas

Seguia-me pela candeia,
uma âncora salvífica
para o homem desvairado.
A luz da candeia
espalhava um rasto de esclarecimento
enquanto a escuridão se dobrava diante da luz.
Através da candeia
acendiam-se os candelabros da existência
perfumavam-se os poros
já não com o suor sofrido tisnado pelo breu.

Diante da candeia
vogava a tua imagem;
ao início
não percebi se de imagem
holograma
se tratava
ou se eras tu,
matéria e alma concreta.
Os passos temerosos
e a mão trémula que se estendia a medo
ajuizaram que não eras sonho.
Senti a alvura da tua pele
a sua macieza
o cabelo que ondulava com a brisa matinal
e afastei com um dedo
esparsas lágrimas que tombavam.

Choravas
– seria a lânguida e provecta desdita a visitar-te?
As lágrimas curvavam-se face abaixo.
Eram salgadas:
os dedos que as enxugavam
traziam-nas a mim,
saciado pelo néctar que continham.
E embora chorasses
não via esgar de tristeza;
apenas serenidade que irradiava
perturbada só pelo estremecimento do corpo
na passagem dos dedos que te aspergiam afecto.

Era perturbante
o choro de quem assim dormia,
profundamente.
Respondias com silêncio às minhas demandas
e nem a luz da candeia incensava os teus olhos,
teimosos,
como janelas empenhadas
em serem refúgio do temor avassalador.
Diria que o teu sono era
imperturbável:
nem a intensa luz da candeia
ou o ruído da cidade apressada
ou a minha voz
(nunca alta, decerto)
nada te resgatava do sono balsâmico.

Ajuizei por ti
(penhor dos teus sonhos
na autorização da tremenda cumplicidade):
seria um sono apaziguador
mergulhada em sonhos radiosos
onde eras plenitude
o zénite de todas as coisas
um arroubo intenso nas palavras murmuradas
que ecoavam sentimentos sublimes.
As lágrimas não eram observatório do infausto,
delas jorravam
fragmentos vivos da felicidade adulta.
Porque há lágrimas vertidas
que são sinónimo do arrebatamento que mumificamos.

Vi então
nos demorados instantes que te fitei
uma e outra vez mais
o altar sagrado do meu enlevo;
de como o tempo se abstém
nesses instantes imunes às palavras;
já não havia precisão da candeia
pois as tuas lágrimas salgadas
eram as águas onde vogava
ser inebriante, eu,
habilitado pela fortuna da tua placidez.

Seria por magia,
uma lágrima recolhida com a ponta dos dedos
ungiu a candeia.
Que se apagou,
chama desvanecendo-se lentamente.
Havia nesse desvanecimento
o clamor para uma vida inteira,
completa,
para reter todo o sal de um singelo abraço
e contar aos desafortunados
– para sua saudável inveja –
como habitava nas águas bonançosas
a temperança ideal.

Quando voltei a mim,
depois dos instantes de anestesia que foste tu,
já não sinal da candeia;
e o teu rosto enxuto
despertado pela alvorada clara.

9.5.07

As perguntas certas

Não são as respostas
não são as respostas que interessam.
Sim, as perguntas
as perguntas certas
aquelas que desvendam os passos prudentes.
As perguntas que cerceiam lugar
ao altar do conhecimento
(as perguntas fátuas
as do linguajar entontecido
a facúndia barata que espremida nem umas gotas dá)
essas são as perguntas inúteis.
Tempo gasto.
Desnecessariamente gasto.
As perguntas certas libertam o verbo
e aprisionam a verve ilusionista.
Nelas, o travo apetitoso
a esquadria das ervas aromáticas
deitadas na proporção ideal.
Nem de menos, nem de mais.
Senão
as perguntas trazem o sabor insípido
travadas pelas palavras despojadas de ousadia;
Senão
as perguntas florescem adulteradas
atravancadas pelos aromas que se atropelam
sem fio condutor
sem nexo
entretecidas no torpor da vozearia banal.
São difíceis
as perguntas certas.
E tantas são as vezes
convencidos que estamos das perguntas certas
e logo no instante seguinte
o travo amargo da pergunta errada
ou apenas inconsequente.
E se as perguntas certas são importantes:
é como chegados a uma encruzilhada,
sabermos o que perguntar
para onde saber ir.
É nas perguntas certas
a divinal razão dos sentidos.
Não nas respostas
que essas podem
vacilar, debater, divergir.
Sem as perguntas certas
é como se ao mar tivessem levado todo o sal.