30.11.23

Apuro

O nefelibata apeado

antes de trair a fronteira

juntou as mãos às travessuras dinásticas

como se não esperasse absolvição

e aos lençóis freáticos 

roubasse as lágrimas que não tinha. 

Não se importava de ser pária

não se incomodassem com os andrajos

a colossal farsa que encenava

acenando às lívidas mães pela ausência dos filhos. 

Ele sabia dos gatos avulsos

sabia

que eram sentinelas à espera da noite

e que ninguém os acusava 

de serem reféns do medo

 

Eles é que sabiam

montados no rosnar altivo

príncipes autoritários que esventram as presas. 

 

Na véspera da manhã

diletante

assobia ao silêncio

no apartado longínquo da solidão

fugindo da sua cólera 

antes do testamento dos anciãos ser lei

antes que seja cedo para ser tarde.

Injustiças indocumentadas (245)

É a estúpida, 

economia.

#2981

Mondas

a erva daninha

debalde.

29.11.23

Para quem quiser ser fotografia

Se ser

é viver dentro de uma fotografia

reclamem-se créditos para o flash

sem obedecer a conspirações

nem recuar aos suores frios

talvez

beijar os dedos do precipício

pode ser que do outro lado

verticalmente caídos

encontrem a madeira para a moldura.

E só então

fotografias de pleno direito serão

com direito a moldura

e tudo.

#2980

A falésia compõe-se, 

escondida 

no avesso do olhar.

Injustiças indocumentadas (244)

Nó górdio,

nó gordo, 

quem asfixias tu?

Tradução simultânea

Fugi aos olhos do mundo

por detestar

que os olhos do mundo

estivessem de atalaia

e eu

da mais profunda solidão

dispensasse essa companhia. 

 

Esperei pela visibilidade da manhã

para depor a meu favor

e não quis saber que apeado seria

se fosse esse meu gesto. 

 

Li os editais admiráveis

os que entronizam os reis de nada;

subi 

sem tibieza 

ao tribunal inferior

sem medo dos medos entoados

só com um garfo metido entre as ideias

desarrumando o futuro imperfeito

numa opereta eloquente. 

 

Os arbustos diziam o caminho

sobre as pedras sucumbidas

contra os rostos silhuetas tomados ao acaso

esse, o imaterial bocejo

intemporal

a senha apalavrada dos segredos quitados. 

 

Não digam

contra as probabilidades 

que amanhã é Inverno

não conspirem 

contra os obstetras que parturiam o mundo:

 

não lhes digam

que deram existência a um nado-morto

e que todos

os que por aqui diligenciamos tempo

fingimos o embaraço de tanto ardil. 

 

Sem esta força arremessada contra os algozes

não somos nada

não temos nada

e enfim desaparafusados do siso

assisamos outras comendas

assinantes de uma tença desconhecida

o congeminado sol por batizar. 

 

O sol

a que ninguém

verte o sal das feridas que esconde

o sol mátrio que afirma a gramática

e habita o fundo métrico 

das orquídeas em devir.

28.11.23

Eco-pesadelo

Um dia

a fauna tornou-se rebelião

e só os vegetarianos tiveram salvos-condutos. 

A ovação repartida

disse

que fauna e vegetarianos eram uma coligação

e os últimos só eram solidários

com a fauna. 

 

Ninguém podia falar de genocídio. 

 

Ninguém subiu alto no mastro do protesto

porque já só havia

os aliados da fauna

e esses falavam em uníssono. 

 

Mas depois acordei

e intuí tratar-se de um pesadelo. 

Afinal

fora uma noite

(e não um dia).

Injustiças indocumentadas (243)

Ninguém sabe

a que sabe a vingança

quando é servida quente.

#2979

A tempestade 

corre uma cortina 

uma acrisolada voz 

abate-se contra os inocentes.

27.11.23

Tira-nódoas

Desaparece a custódia dos vultos

a leveza de uma nuvem

dissolveu-a. 

O cimento fraco foi cercado

uma viuvez intensa fareja a farsa

prepara-se para anunciar

que é fraco

o cimento. 

E as pessoas

tão temerárias 

tremem como se estivesse frio

bebem o suor do avesso

como se fosse um antídoto

não sabem de quê. 

Se este pudesse ser um retiro

seríamos procuradores de uma moldura;

mas é uma miragem

à espera de ser fruto maduro

ou à espera

de depressa se tornar bolorento

em forma de colheita tardia. 

Não há nada de útil

num tira-teimas. 

Antes um tira-nódoas

que devolve uma alvura 

apenas farsante.

Noite sem medo

À noite que se adia. 

À pele quente que se entrega nos braços. 

Ao olhar inquieto. 

Às estrofes que se congeminam no silêncio. 

Ao mar que se agita no avesso da memória. 

À lava que se ajuramenta no beijo da memória futura. 

Aos corpos entretecidos na coreografia sem nome. 

À manhã, que levita entre os olhares sem medo. 

#2978

Antes do tempo ausente

a imersão em águas fundas

as latitudes todas 

numa mão fechada.

26.11.23

#2977

Sistematicamente desistente,

essa fora a sua grande vitória.

25.11.23

Injustiças indocumentadas (242)

Já chegou o elefante.

Falta a porcelana.

#2976

A História 

é um impressionismo fatal

o resgate para memória futura

do dever geral de desumanização.

#2975

Não há alternativa

à alternativa,

há alternativa.

24.11.23

Manifesto anti-matrioskas

Há personagens

que parecem paridas

de dentro de matrioskas.

Uma eructa

desmultiplica-se em dois

desdobra-se em quarto

em oito, em dezasseis;

até estarmos 

cercados.

 

Um pesadelo é fruta viva 

ao pé da matrioska parideira.

 

O atraso civilizacional

é que ninguém descobriu a cura

das matrioskas que não param de parir.

 

Abaixo as matrioskas

ocas.

Injustiças indocumentadas (241)

Como se diz

bivalve

no Porto:

#2974

Primeiro

entranha-se

segundo

estranha-se.

23.11.23

Dentadura postiça

Sejamos simpáticos:

não é por ser um escarro

que se destina aos escombros

quem dessas palavras proclama.

A desinfestação

tem de ser por igual

sem discriminações. 

Sejamos compreensivos:

a impossibilidade da tolerância

seria uma mácula a abater-se 

e precisamos de saber o que é um escarro

(para dele nos apartarmos).

#2973

O ferro forjado

curva a carne do tempo

atesta o braço imorredoiro

do mar sólido que não tem maré.

22.11.23

Vadios

Papagaios famintos repetem estrofes

sereias sem dote aproveitam-se da maré

um meteorologista angustiado jura o medo

a maresia subleva-se contra a manhã timorata.

 

Distantes cangurus bolçam intoxicações 

bombeiros insones passeiam a farda encardida

generais covardes fogem das más companhias

gatos que deixam de ser vadios miam por companhia.

 

Candidatos à indiferença erram na estação 

autodidatas dispensam livros para a ciência

tutores de costumes adiam arsenais corrompidos

cultores amoedados rapam arrogância de bolsos.

 

Ativistas amestrados perdem-se no labirinto

narizes narram aranhas e espirram alergias

almirantes esposados pela ira posam urros 

as boas maneiras ficaram à porta dos estultos.

#2972

O entardecer desbotado 

destoa do gargalhar assíduo

reivindica 

o silêncio de um ermo.

21.11.23

Oxidação

A infâmia

não nos persegue

não se faz nome nosso

não nos culpa 

por uma gramática mendaz. 

 

Tiramos uma carta ao acaso

os dados são atirados para a cratera

movemos a torre para a frente do bispo

sabemos onde está o sortilégio

só não sabemos como o podemos domar. 

 

É a meã condição

o confisco do ser?

É a dependência do vício

em sucessivas voltas olímpicas,

o campanário da decadência?

 

Arrastamos a página ensombrada

e não resistimos ao seu caudal. 

Oxalá houvesse dentro de nós

uma represa

e não fossem vícios

ou infâmias

a colonizar os dias eleitos. 

Injustiças indocumentadas (240)

Degrau.

De 

grau.

Graúdo.

Degraus

Os degraus 

intermináveis.

Esconjuro

quem se rege 

pela finitude. 

Pressinto

que a escada oferece 

outro lanço de degraus 

assim que toco 

a cumeada. 

Somos

o nosso próprio 

marco geodésico.

Injustiças indocumentadas (239)

Sou contra o mar de rosas

ia acabar com a maresia.

#2971

Não disse que disse

mas desdisse na mesma

só para cozinhar a dúvida

sobre se disse o que disse.

20.11.23

Gatilho

Pensava

que tinha o pensamento

forrado a algemas. 

 

Houvesse

quem desarmadilhasse

o pensamento. 

 

Que de estouvado

tivesse todos os lugares

em vez de ser daninho 

e privado de matéria. 

 

Queria

a certa altura

um pensamento 

virado do avesso. 

 

As cores 

trocadas;

 

dicionários

só os errantes;

 

divergências

todas 

e mais algumas;

 

e lugares novos

que o pensamento

precisava

de aprender 

a pensar

de novo. 

 

O pensamento

reuniu o espólio

e pensou

que o inventário

tem mais de despensamento. 

 

Afinal

o pensamento

só queria hibernação

uma cadeira puída

onde pudesse ser estilhaço

ou uma parede

que não estivesse por caiar

uma tela 

à prova

de preces

como se enviuvasse

e passasse à reforma

mera curiosidade arqueológica

sem chegar a ser

sequer

nota de rodapé. 

 

Não queria ser

a não ser

nostalgia de um conto futuro

lápide pendida sobre os cotovelos

um regaço inteiro

por habitar.

#2970

Tertuliam,

em filosofias avulsas

contra o arsenal da identidade.

19.11.23

#2969

De Juno

não se esperem

copiosas intempéries.

18.11.23

Injustiças indocumentadas (238)

Falamos:

de crimes

a favor da humanidade.

#2968

Nos bolsos puídos

ateia-se 

a memória escondida 

– a memória 

que é a sua própria pária.

17.11.23

O Ministério Público é contra as bibliotecas

Frequentar bibliotecas

passou a ser

uma atividade arriscada:

ninguém agora pode confessar 

que foi à biblioteca tirar notas.

Viver tempo (por oposição a matar tempo)

O efeito balsâmico

de trespassar a fronteira

e saber

que é uma hora mais cedo

de saber

que fiquei uma hora mais novo.

Injustiças indocumentadas (237)

Haveríamos

de ter inveja

da onça

tantos os amigos

que ela 

tem.

 

[Sobretudo um certo primeiro-ministro com prazo de validade acertado]

#2967

O salto vertical

à medida do medo,

uma nota de rodapé

indiferente.

Injustiças indocumentadas (236)

O pé

de semear.

O pé

de cabra.

O pé

de microfone.

Nada

é por 

acaso

 

(se

interessa

para o

caso).

16.11.23

Ubi-qui-da-de

Os dentes do avesso:

congeminava a rebelião

tardia

a impensável bochecha que o devir

escondia;

se fosse pelas espadas travadas

os arrevesados procuradores 

em vez da estultícia

seriam devotos de ingénuos oráculos,

que a demanda do futuro

não é de ficar ao pé de semear. 

Mais logo

(jurou)

cobro aos anjos disfarçados

a tença correspondente

e entrego-me 

incondicionalmente 

à boémia

o meu corpo como se fosse doado

sem ser à ciência.

#2966

O vulto delido

com os dedos puídos

alista-se no inventário das farsas. 

15.11.23

Injustiças indocumentadas (235)

Brincadeira contínua.

A brincadeira continua.

A sério.

Injustiças indocumentadas (234)

De um jornal:

“Mata homem por dívida com 27 anos”.

E fiquei sem perceber 

se era a dívida, 

ou o morto,

que tinha 27 anos?

#2965

Cubro com vergonha

a nudez da fala

e lamento

a privação do silêncio.

14.11.23

Injustiças indocumentadas (233)

Maré-viva,

maré viva,

não sejas morte

na safra alheia.

Sangue e lágrimas (a demissão da angústia)

O sangue confundia-se com lágrimas. 

Os derrames vertiam cicatrizes

a pele era asfaltada 

por tatuagens involuntárias. 

Há quem solte o freio da angústia:

não sabem 

ou não admitem

que a angústia 

não é tão imediatamente involuntária

como as tatuagens herdadas de cicatrizes. 

Despojam-se

como se dessem autoridade à comiseração

e precisassem da tutela dos apiedados

para baixarem a temperatura da angústia

sem tomarem conta do periscópio

que previne que se deslacem do exterior. 

Afocinham

numa mistura putrefeita 

de sangue e lágrimas

e adiam o cais metodicamente generoso

que pavimenta a dança sem regras que precisam

para não serem reféns 

dos seus próprios ardis. 

#2964

Em forma de marco geodésico

sem saber se 

a paisagem intercedia por ele

ou era ele de atalaia à paisagem.

13.11.23

Fogo posto

A fogueira crepita

num fogo 

posto à venda

por nada

por um

fogo posto

que armadilha 

as mãos voluntárias

em tudo um nada

crestadas

por defeito de vontade

de uma vontade por excesso.

A fogueira crepita;

valha 

ao menos

a interdição do Inverno.

#2963

Os socalcos descem até ao rio

são as mãos artesãs

em nome da natureza.

12.11.23

Injustiças indocumentadas (232)

Fora de casa

(mas) 

em trajes maiores.

Injustiças indocumentadas (231)

Desgraça:

desengraça

diz, graça.

#2962

Esta é a mão moratória

a demão que pede vindouros

o presente caiado

com o pejo dos cajados 

sentenciados. 

Avinagrado

A tabela térmica

respira a febre da pele:

as erupções devolvem luz à noite

e não se fale de eclipses

não desembaracem o lagar

onde as uvas fermentam de véspera.

É pelas varandas que as falas se juntam

as casas são uma prisão arrematada

lúgubres, sombrios espasmos de rotina.

 

As pessoas

habituam-se aos hábitos.

 

Não se demovem 

por luares nómadas

ou lances ousados 

que viram o jogo do avesso

os génios sempre adiados.

Só querem a usança

refeições à hora marcada

a purulenta televisão

onde desfilam malquerenças 

e personagens escaninhas. 

O fumo ao longe

não é um atestado de cemitério:

o vento assina as árvores

a durável concessão dos homens

máquinas em barda

a lava da civilização

como se contássemos os quilos de ferrugem

no inventário da abastança. 

 

Não se interpõem os deuses

que também dormem. 

Quisessem mediadores,

encontrá-los-iam nas medas avulsas

a meação que junta as mãos separadas.

11.11.23

#2961

O ogre destila babugem

do seu úbere miasmático

e há uma turba que nele bebe.

Injustiças indocumentadas (230)

A última hora

está sempre à espera 

da próxima hora.

10.11.23

#2960

O Outono pornográfico

que rouba as folhas às árvores

e deixa-as nuas 

ao olhar tumultuoso.

#2959

Agita a colmeia

pode ser que não seja mel

a colheita às tuas mãos.

Injustiças indocumentadas (229)

Estrela,

da amadora.

9.11.23

Injustiças indocumentadas (228)

Besta negra 

– ainda se pode 

dizer?

Os escombros, não

Como sangue de framboesas maduras

as pálpebras falam no estreito da mentira

acostumam-se à imprevidência dos lobos

e deixam atrás o insensato esgar dos lúcidos. 

 

De vez em quando

as consoantes gritam o verbo duro

libertam-se da azáfama das noites desertas

e emprestam disfarces para quem nunca foi

farsa. 

 

O ouro está escondido na página 36,

segredou a divindade empossada, 

e os cães vadios que passavam

subitamente mataram a fome.

 

Não

não me escondo dos espinhos das amoreiras

trago comigo estátuas dilaceradas

e tatuagens que ainda procuram santuário.

#2958

Deixa 

que as pétalas avulsas

assentem na pele 

com a leveza da neve.

8.11.23

Monumental

Dessem à boca

alcatrão

já que à ilharga

sobra o silêncio

oxalá povoassem de lucidez

um pouco do adro mental

e por contágio

um arnês os libertasse

da indigência. 

Coabitasse a medida

com o estatuto encamisado

soubesse a boca 

ser modesta

e o juízo não se afivelasse

por excesso

para diplomática ser

a contabilidade

e de contumácia das estimativas

não se poder falar. 

Enchessem-se de penas

talvez cuspidas a alcatrão

para não se esconderem

da desvergonha.

Injustiças indocumentadas (227)

Uma pilha de nervos

tem de ser

de lítio.

 

[Poema circunstancial:

ou de como o lítio

mandou um governo abaixo.]

Paralelo 66

Tenho nas mãos

as flores sem sangue. 

 

Tenho aos pés

as vozes párias.

 

Trago no olhar

os medos extintos.

 

Trago na memória

as manhãs vagarosas.

 

Tenho 

no magma da alma

as palavras armadura.

 

Tenho

no lugar da maresia

a nitescência das mãos inaugurais.

#2957

Se não forem as cortinas

é a paisagem de peito aberto

dolorosamente capilar.

Injustiças indocumentadas (226)

mea culpa

não passa

de culpa meã.

7.11.23

Passarinhos na gaiola

Tiraram as dioptrias

às entranhas possivelmente podres

de um punhado de mandantes. 

Depois, 

ligaram as sinapses

para logo estimarem

o pecadilho com perna curta

entre o lodo em que vicejam

e as ausentes lições de ética

 

(como não, de sim ter começado

por Aristóteles).

 

Só que este é um lugar dezembro

não se organizam funerais políticos

que a casta adeja sobre as leis

e arrota ostensivamente

contra o prelúdio da ética. 

Em vez 

de se arrotear um janeiro reparador

iremos em velocidade de cruzeiro

a caminho de um dezembro renovado. 

 

A culpa

ao contrário do que por aí se diz,

só morte solteira

se nos formos seus cúmplices. 

 

(Post scriptum: tendo sido escrito antes da demissão de um primeiro-ministro, fica por reconhecer que foi extemporâneo o poema.)

Injustiças indocumentadas (225)

A crise

que pague

os pobres.

#2956

Apeado da glória

pranteando

a ausência de chão

sabia ao menos 

de um horizonte a despontar.

6.11.23

Fungível

Nos despojos

a tutela da tempestade

o árido silêncio do medo

ou apenas

a exaltação dos elementos

um aval da imoderação

em sucessivas marés-mais-que-vivas

ou o beijo da morte

disfarçado de beleza incontinente

e nós, 

colhidos pelo feitiço,

juntamos à tela

a gramática do exagero

o fingimento do medo

a atribulada desconfiança da matéria

contra as juras dos mastins

contra a indelével marca do tempo

os escombros esculpidos na maresia

em farsas atestadas pelos artesãos. 

Não anotamos o vocabulário

que de tanto uso 

se extingue. 

Deixamos 

que o medo soluce 

convulsivo 

como se fosse 

o seu próprio medo

e metemos pelo meio o arnês

o fiel depositário dos outros.

Injustiças indocumentadas (224)

Da crueldade

não se diga 

que rima com requinte.

#2955

Diziam do lavagante

o mesmo que (do preço) do ouro,

depois de despida a armadura.

5.11.23

#2954

Não exiles 

as impossibilidades.

A tua voz 

prospera à sua conta.

Injustiças indocumentadas (223)

Os pais das tempestades 

são aqueles que as batizam 

com nome de gente.

4.11.23

#2953

Não fiz nada 

e já fiz tudo.

3.11.23

Os embaixadores e os meliantes

Assobiavam

todos aperaltados

os embaixadores enfatuados

o idioma franco balbuciado

à medida dos vermutes bebericados.

Apareceu uma quadrilha

a caminho de um assalto.

Ficaram todos

(embaixadores e meliantes)

com o movimento entre parêntesis.

Caiu uma chuvada torrencial

e todos se refugiaram 

numa paragem do autocarro.

Horas depois

um dos meliantes deu pela falta

de uns diamantes desviados ao legítimo.

Lembrou-se

do estalão da divina justiça

e de um perdão de mil anos

amaldiçoando a chuva que torrencial

caiu.

Injustiças indocumentadas (222)

Continência ao general

que o general é incontinente.

Potência ao general

que o general é impotente.

Injustiças indocumentadas (221)

Pela hora da morte.

Pela 

a hora da morte.

Apela à hora 

da morte.

Há hora da morte.

#2952

Trespasso 

os provérbios em barda 

deito-me 

com a indigência de origem protegida.

2.11.23

Sociologia de algibeira

Corsários que deixam o mar suado

cruzados que sobem as árvores imodestas

sacerdotes que sepultam o pecado

artesãos descuidados com o véu lúcido

eruditos a estagiar numa taberna viciosa

beligerantes castrados nas desoras da vida

aspirantes demitidos no ato

cozinheiros que devolvem segredos ao mar

procuradores sem mandato desovado

mecenas sem latitude material

tiranetes condenados à solidão

cúmplices adestrados no contorcionismo

estetas mergulhados na feiura

vozes que se servem do silêncio

boémios extasiados com a manhã baça

mendigos amesendados em hotéis superiores

capitalistas a provarem a suína fatiota

ácaros militantes que dispensam o labor

treinadores de almas que empenham o unto réptil 

distraídos a beberem o dia pelo artelho da bota

primeiros-ministros que parecem quintos

rececionistas que mendigam bondade

avarentos que escondem gorjetas puídas

sonhadores que apanham um avião intercontinental

generais que fazem a incontinência.

#2951

Protestam

com rugidos pueris

a sua voz percutida no desdiz 

de quem os impugna.