8.2.07

Momento Professor Doutor FG

O Professor Doutor acordou às sete da manhã
pôs o pé direito de fora e só depois o esquerdo
foi à sanita evacuar as urinas retidas no sono
olhou-se ao espelho e o que viu?
A magnificência
a jactante sabedoria
o altar dourado onde resguarda tanta ciência
um cérebro que armazena mais brilhantismo
que uma vintena de Doutores de embuste.
Demorou-se
longos minutos
na contemplação de si mesmo.
Extasiou-se na aproximação de cada poro
a facial expressão que jorra os sorrisos valiosos
que guarda só para si
tão valiosos
não podem ser desperdiçados nos incapazes
– todos os demais.
O Professor Doutor,
perdido em elucubrações do ego,
esvoaçou pelo pequeno-almoço
pela fatiota para o dia
pelo caminho até à casa da sabedoria.
A caminho
sentia os transeuntes fulminados com a sua aura.
A cada passo
aspergia os dotes singulares,
uma sabedoria ímpar.
Só ao alcance dos predestinados.
E tão predestinado era que cultivava a distância
não fosse a conversa contaminá-lo
com a prosápia dos Doutores da mula ruça.
No estertor da ciência
o Professor Doutor é penhor dos novos alvores
abalo telúrico que nada deixa intacto,
dúctil personagem com o dom de virar a página
– só os homens messiânicos foram agraciados com o dom.

Nunca as loas serão muitas
para a homenagem devida ao Professor Doutor.
Por nunca as palavras todas serem bastantes
no elogio perene do Professor Doutor.

Providencial e imensamente culto
pulsão obsessiva pela atenção que tanto carece
será motivo para acamar no divã do psiquiatra:
por onde tanto ego vagueia
insondáveis mistérios ou mente tortuosa
ardis militantes dos que se esticam em bicos dos pés.
Carecem da atenção os que,
na sua ausência,
da cepa torta jamais iriam.
Assim se hasteia
um vasto ego que se espraia do Porto até Tóquio,
a cada dia que passa se estende para a estratosfera
até colonizar (só para ele)
a lua cintilante
– cuja irradiação é a sua aura que trina aos nossos ouvidos.

É uma lição de uma singela,
mas densa,
página só.
O roteiro necessário para os outros Prof. Dr.
(que não merecem o extenso).
Há por aqui divindade, ao que parece,
e a pele estremece só de pensar
que algum dia a escadaria há-de ser tapete
dos pés doutos de sua excelência.
Que sejam marcados esses locais
de tanta sapiência ungida:
que os outros,
lentes ou discentes,
mas todos tementes,
nem ousem a centímetros pisar
o roteiro do senhor Professor Doutor
(já com direito a genuflexão,
a portagem devida pela invocação de seu nome):
indignos de se acercarem,
ao longe que seja,
de tamanha honraria.
Aos demais
neófitos ou provectos anciãos,
os dias todos refulgiram só por saber
que paredes-meias habita insigne figura.

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