30.11.07

Despojos do Outono

Ao amanhecer
as ruas ainda desertas acolhem o restolho
as furiosas folhas acobreadas já desligadas dos ramos.
A rotunda é o leito sombrio
onde as folhas gastas se acamam.
E dançam ao vento,
o vento despótico que as atira, aleatórias
contra a embocadura do vazio onde jazem.
Não há nos despojos de Outono
a magia das despedidas.
Apenas a coreografia das cores esbatidas
um óculo que espreita
em retrospectiva
as danças excitadas do estio dobrado.
E, contudo,
há nesses despojos
a fértil sementeira dos dias claros
logo no contrário dos dias cinzentos
tingidos pelas nuvens pesadas
a ossatura dos dias minguantes
as pedras pontiagudas do vento agreste
da chuva que se toma pelos sopros da ventania.
Nem sempre as folhas quebradas
entoam o seu restolho
devolvidas à terra que se oferece,
sua sepultura.
Na coreografia dos contrastes
entre os dias lívidos e as noites de refúgio
rejuvenescimento nas folhas acobreadas que se amontoam;
e renovação: a reinvenção das forças
pelo perecimento das folhas
que acastelam os despojos das páginas já dobradas.
O ternurento Outono encobre uma dormência pueril
a preguiça contagiante que se insinua
nos fragmentos deixados para trás pelas folhas
que esvoaçam em outra rabanada de vento.
Dizem
que o Outono
repristina a tristeza;
e que fermenta a indolência
dos corpos aprisionados em casa
quando chegam tempestades;
e ainda que acomete com saudades antes do tempo
saudades do Verão que levantou âncora.
Só esquecem de dizer
que os despojos do Outono escondem a densa neblina
e, atrás dela,
o mistério da luz que se há-de desvelar
centelha que adorna a doce curvatura
onde se deitam os corpos
apaziguados
excitados na luz esquálida,
mas quente
dos encurtados dias outonais.
As folhas inertes cambaleiam no dorso do vento
irrompem no ar em movimentos aleatórios
enquanto desnudam as árvores
dir-se-ia,
em muda de pele.
O gritante paradoxo:
nuas quando mais abrigo carecem
agora que a invernia acintosa
espreita entre as folhas do calendário rasgadas.
É um Outono de despojos.
Em despojos.

5.11.07

Os olhos e os pesadelos reais

Dizias:
que os olhos se encerram
e então vês toda a vida
um cortejo entristecido
negras personagens sem rosto
o rumo do destino ausente.

Dizias:
que os olhos se entreabrem
a medo
e o pesadelo que julgavas ser
desfila diante da vista estremunhada.

E dizias:
que nem sabes se é o refúgio do sono
ou dele fugir
para que pesadelos tão calcinantes
se hajam confundir com a espessa realidade.

Aos ecos vadios

Ecos
de tantas cores
esbracejam aos meus ouvidos
o lacrimejar das fadas.

E ecos
distantes, perenes, sombrios
ou apenas ecos
sem serventia de adjectivos
ora trovejam, ora ciciam.
Amaciam os sons estridentes
abafam as palavrosas prédicas
que, espremidas,
gotejam nada.

Ao menos, os ecos
deixam ao ouvinte um imenso mar
para cavalgar;
dão-lhe liberdade:
de os perfumar com um incenso exótico
ou mascará-los com o sal do mar nocturno
enquanto o límpido luar
encerra os demais sons.

Os ecos
recolhem nas suas asas
a plenitude da paisagem.
Reproduzem a sua eterna beleza
dela o bastião que retratos não conseguem fixar.