5.12.11

Pretérito (mais que) imperfeito


O que fui
mesmo em sendo um pequeno nada:
uma vitualha inofensiva, apenas.
O que fui
não é oráculo do que sou.
Das sombras pretéritas,
os ossos empoeirados depõem-se
no seu silêncio.

Hoje sou cais.
Um altar e os braços abertos
num amplexo de dádiva.
Os olhos encantam-se
pelo cais sublime onde aportam.
Esses olhos
não metem as mãos na poeira quieta.

4.12.11

GPS


A vertigem sussurra ao ouvido.
É um bafo quente,
dissimulado.
Promessas que se repetem
na escala do tempo.
Miragens.
E o corpo vai
de lancil em lancil
escorregando no precipício.
A vertigem,
com o seu bafo quente e dissimulado,
anestesia os sentidos.

27.11.11

Epílogo (com um sorriso nos olhos)


A bruma da manhã
derrotou a combustão dos sentidos.
Procuro por todo o lado
e não encontro nada.
A centelha da noite desfez-se na penumbra.
E o fim,
o fim é sempre um princípio,

[vírgula propositada]

21.11.11

Pedagogia


Aprendi:
até as cores baças se fundem em claridade.
O barco não naufraga
por mais que adorne;
oxalá haja um fio de prumo
vindicado no acaso dos dias.
Mas quando o ocaso irrompia
o acaso dos dias tratou do desmentido.
A entrega é um quarto imenso.
Atapetado com as melhores fazendas
ornamentado com o ouro das palavras
dos afectos silenciosos.
E quando os lábios percorrem o corpo
e o corpo declina na volúpia
o tempo emoldura-se.
O tempo reduzido a um instante.
Efémero
como tudo o é.

16.11.11

Fragmentos de uma manhã


No silêncio da manhã
os olhos entreabriam-se
e o teu corpo insinuava-se no meu.
Roubava um pedaço de ti
enquanto as preces do êxtase
decaiam em sua combustão.
Os olhos que se entrecruzam
ensinavam a domar águas tumultuosas.
As pinceladas que emprestámos ao céu
devolviam uma claridade que se embaciara.
E nós,
nós éramos os tutores da fortuna.

7.11.11

Provisório-definitivo


Um freio nos dentes
devolve o sossego.
Fendem-se, os olhares de reprovação.
No oráculo das estrelas
a carne rasgada não sangra.
Expiado, enfim.

2.10.11

Gastronomia da frugalidade


Junta
o sal que incendeia os olhos
à poeira sobrante,
A poeira amarga dos dias mal terminados.
Por cima
despeja uma pitada dessa espuma que distrai.
E um pouco
do unguento corrosivo das maleitas díspares.
Não esquecer as lentes neófitas,
as lentes que te prometeras
quando irrompeu o cansaço dos infortúnios.
Aquece tudo em banho-maria.
E verás
que o anoitecer não é o bálsamo
de um dia que merecia o olvido.
Enfeita a iguaria.
Leva-a contigo
sem que um singelo dia
falte à chamada.

1.10.11

Uma genética


Por vezes
nuvens que se acastelam,
Ameaçadoras.
Outras vezes
cresce no horizonte o sol resplandecente
e os corpos são beijados
pelo sol quente.
Todos os dias são uma quimera.
Todos os dias são um desafio.
E os dias,
todos os dias,
assim ganham sentido.