Ferro velho, ferro velho
que sucata chama por ti?
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Nadar em forma de concha
o pé arriscado um passo atrás
arrematar o futuro
antes que ele seja pacto.
Mandatado pela tatuagem que debitava vanidades
parei diante do estuário
o amplo parque de estacionamento de navios
e senti que as palavras queriam lava
os dotes avulsos subindo à boca de cena
antes que as omissões se tornassem olvido.
Era o chão fértil dos grandes escapistas,
tortuosa a espera pelo ontem havido,
enquanto no apeadeiro se falava um idioma caro.
O amurado cear não tinha o luar por companhia
mas não fazia mal:
há almas que substituem a angústia por centelhas
trazem em mão as suas próprias centelhas
e recusam a luz fabricada.
Depois de amanhã
voltaria ao lugar de anteontem.
Suspeito que os dias não combinam
e tudo se fará farta colheita nos bolsos revezados.
Se por dardo entenderes
o dia nascente, plúmbeo,
tuas serão as cortinas puídas
que se abatem
sobre o dorso alquebrado.
Ninguém sabe
que a desculpa é de mau pagador
se não se souber que o pagador
tem o nome no Banco de Portugal.
O que perguntas ao futuro
se o futuro ainda procura
um paradeiro?
Que parágrafo estabeleces
entre as ameias do tempo
para consoar no sangue-frio?
A que demónios dás coutada,
aos poéticos ou aos políticos?
Espalhafatoso.
Espalha factos.
Espalha fatos
(em trincheiras
devidamente documentadas
só para fazer de conta
que é
como na Primeira Guerra).
Sabendo
que “deus está no meio de nós”
descobri
que o ateísmo se deve
a um de nós
e não é em ti que o mal reside.
Olha
por dentro dos olhos
alcatifa o verbo tardio
desmata o Inverno sensato
e espera
pela tardança respirável
o assunto válido que se entretece
a rede de onde saem os peixes em roda-viva
sabendo das dores que desdoem
o desafio que se incensa numa pira de medos.
Atira
para dentro do preâmbulo
as falas inteiras que abrigam
a estória toda.
Escureci as facas com que se compõe o juro.
No último dia
agravei a medida por que se tomam os déspotas
e perguntei
quando é o último dia
o dia
da extinção do último déspota.
O desembaraço com que o acrobata saltava
fazia lembrar aquelas palavras órfãs
errantes na planura da página
como errantes são as mãos que as tutelam
uma lava irredutível que ascende pelas veias
e se desamarra das vulgatas.
O cais não serve de refúgio:
é a casa da partida
antes que seja reduzido a uma salina
e à saliva subam as miragens.
O acrobata tinha um esqueleto de borracha
e nós sabíamos
que a borracha não nasce apenas de uma árvore.
No emaranhado
que foste buscar ao passado
precisas de uma didascália,
uma memória futura
para te perderes.
Disse
às lágrimas
para serem caudal próprio.
Elas
a medo
(que a galhardia dos costumes
ainda está trespassada
pelos marialvas preceitos)
precipitaram
com modéstia.
Alguém
talvez perito em prantos
encorajou as lágrimas
deu-lhes o mapa
para se fazerem
aos rostos macios.
Nunca mais
houve fugitivos às almas
que torpedeiam
a mentira
enquanto ela se habitua
a ser mentora
da mentira a si própria.
Sabes de cor as horas
e eu ainda sondo os relógios.
A matéria sufragada
deixou de contar
e são os idiomas forasteiros
os que arrematam a inteligência.
(Já alguém disse
que falar alemão
ajuda a ser filósofo.)
A amálgama de falas
não cobre o entendimento das gentes:
por mais que um grupo sanguíneo
fale o mesmo idioma
(biológico)
os Homens insistem em apartar
como se as fronteiras fizessem
Homens diferentes.
Este é o casino solene
a quimera que ateia os déspotas
entre eles e a providência
uns gramas de indigência
que pesam as toneladas do desabamento.
Por força de decreto
as avulsas ordenanças caem sobre o palco
vítimas todos nós
reféns de uma anestesia
(que devia estar destinada à improcedência)
a vulgata enformada em traje protocolar.