Simulação do tédio geral:
rabo escondido
com o gato de fora.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Admita-se a concurso
a esbelta forma da provocação
antes que tudo seja tomado
pelo fantasma do sopitamento.
A pele estremunhada
testemunhava o exílio dos deuses
aprisionados num labirinto.
A legião acusava os conspiradores
sem saberem erguer por um dedo sequaz
nomes e rostos.
Os deuses
de rastos
eram consumidos numa pira improvável
e nem sacudiam da pele os vestígios das chamas
distraídos pelo pasmo.
Do outro lado da cidade
as ruas exultavam
e, não por acaso,
(de acordo com uma possível festa de conspiradores)
as árvores estavam floridas
como se batessem recordes.
Esta era a litania dos subjugados
o avantajado sofrer pedagógico
fonte de sacrifícios em nome da redenção
de repente
tudo levado ao banco dos réus
sob os auspícios de juízes desconhecidos.
O resto já é sabido:
a justiça ajuizada como convém
profanação dos parâmetros habituais
segundo a legião,
ou a diligente justeza
como se fosse avalizada
pelas divindades ora contestadas.
A gramática perfumada contava o precedente:
“soul flowers”
era o apanhado da métrica desembaraçada
entre o assoreamento matinal
e a ginástica verbal.
O poeta
esse
fingia que dormia.
Os versos tingiam a penumbra
e ele estava próprio do dia derruído
antes do tempo.
As estrelas jogavam esgrima
e não bolçavam violência:
era uma espécie de circo
um circo dos bons
e no céu acenderam-se metáforas
uma aurora prometida
contra os mastins que povoam pesadelos.
As estrelas em esgrima
subiram à medalha de ouro
e abrigámos na fonte dos desejos
olimpíadas com esta silhueta.
Sunday, bloody Sunday
depois de tantos e arrastados
domingueiros na estrada.
Verte os garfos desassisados
sobre o sal do dia
e respira
com os olhos bem abertos
a alma que irradia.
Antes se dissolvesse numa solução alcalina
essa ideia anã que amadurece
com o viço dos analfabetos.
Antes fosses astronauta de doca seca
partidário visível,
daqueles que se ufanam
por darem o peito às balas
tartufo desmedido de circense veia
e as palavras
bolorentas
entronizadas no carvão atávico
dos que se ensimesmam na vaidade vã.
Antes fosses
calado
e em teu calado nascessem vesgos atributos
e tu soubesses da tua desdita
e calado
no calado de quem se sabe grotescamente pilhérico
atiras a fala à parede
só para a ver liquidada
(a fala,
não a parede).
O posto postiço
soletra um salitre umbilical
coalhado na coação do dia
faz-se ente de estimação
entra nas apostas do dia
e adormece
triunfal
nas alvissaras de um travesseiro.
Os dedos colados ao céu
ateiam a trovoada nascitura
e depois aplaudem, concretos,
as estrelas que esbracejam ao acaso.
Nuvens vadias,
disse a meteorologista
deixando a verdade
a voar acima das nuvens.
A casa não é o bolor
as paredes não se descumprem
e as janelas são vantagem
sobre o exterior.
Caso sejam inquiridos
os alicerces dirão em ata
os maiores encómios.
As suas habitantes almas
são o arnês expedito
o aval à prova de abalos telúricos
o atestado que suplanta
os melhores cálculos engenheiros.
Os fórceps diários
eletrocardiograma previsível do mundo
as golas derruídas esbatendo as vozes malsãs
à míngua de arquitetos salvíficos,
extintas as epifanias.
Mergulhas no rio matinal
e sabes
que a pele ruge pelo frio que a trespassa;
os homens querem-se audazes,
ouviste pela vida fora,
sem ser preciso frequentar quartéis
e convenções de nostálgicos
(onde a boçalidade é o verbo farto):
é ao contrário,
arregimenta-se o fino nervo que serve à pele,
a sensibilidade (dizem)
que levita sobre as coisas brutas da vida
emprestando beleza à vida de outra forma bruta.
Tudo é um império de fingimentos
e está é a adversativa que soma uma contusão
às maiores esperanças adivinhadas
para memória futura.
Os rostos são colonizados por disfarces
e nem precisam de máscaras.
As pessoas parecem mortos antes do tempo
ficam paradas à espera da tabuada dos mistérios
como se fossem pescadores
pacientemente aguardando um sinal místico:
a prescrição da anestesia que não pediram.
Juras que não sabes
de que dores é feito o mundo.
Se te dessem para a mão a agulha de tricotar
não darias ao mundo
um emaranhado paradoxal como formato
nem saberias do que serias doador.
Mas não juras nada.
A experiência ensinou-te
a lei geral da inverosimilhança
o pudor estatutário que refreia o ânimo
o contrabandear das almas que se vestem do avesso
a obediência arcaica que coage a liberdade
o impensável como critério cautelar
a colossal humildade de quem é indiferente
o arsenal destituído devolvido à arma da palavra
o fogo apalavrado que ateia o futuro
em toda a carne sangrado
matéria-prima incandescente da vontade
o esteio incorruptível
à prova de provações
privado do medo que nega a pessoa.
Macacos me mordam
que me esqueci
de perguntar aos macacos
se me querem morder.