30.8.23

Produtividade

Os fórceps diários

eletrocardiograma previsível do mundo

as golas derruídas esbatendo as vozes malsãs

à míngua de arquitetos salvíficos,

extintas as epifanias. 

 

Mergulhas no rio matinal

e sabes 

que a pele ruge pelo frio que a trespassa;

os homens querem-se audazes,

ouviste pela vida fora,

sem ser preciso frequentar quartéis

e convenções de nostálgicos

(onde a boçalidade é o verbo farto):

é ao contrário,

arregimenta-se o fino nervo que serve à pele,

a sensibilidade (dizem)

que levita sobre as coisas brutas da vida

emprestando beleza à vida de outra forma bruta. 

 

Tudo é um império de fingimentos

e está é a adversativa que soma uma contusão

às maiores esperanças adivinhadas 

para memória futura. 

Os rostos são colonizados por disfarces

e nem precisam de máscaras. 

As pessoas parecem mortos antes do tempo 

ficam paradas à espera da tabuada dos mistérios

como se fossem pescadores

pacientemente aguardando um sinal místico:

a prescrição da anestesia que não pediram. 

 

Juras que não sabes

de que dores é feito o mundo. 

Se te dessem para a mão a agulha de tricotar

não darias ao mundo 

um emaranhado paradoxal como formato

nem saberias do que serias doador. 

 

Mas não juras nada. 

A experiência ensinou-te 

a lei geral da inverosimilhança

o pudor estatutário que refreia o ânimo

o contrabandear das almas que se vestem do avesso

a obediência arcaica que coage a liberdade 

o impensável como critério cautelar

a colossal humildade de quem é indiferente

o arsenal destituído devolvido à arma da palavra

o fogo apalavrado que ateia o futuro

em toda a carne sangrado

matéria-prima incandescente da vontade

o esteio incorruptível

à prova de provações

privado do medo que nega a pessoa.

Sem comentários: