Deixa
para amanhã
o que não podes fazer
hoje.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O ocaso nunca é tardio
é um acaso que conspira
com a ordem da contingência.
Como se houvesse manhãs
a fugir do entardecer
e, mudas, soubessem
o cantar das sereias refugiadas
num lugar que está atrás do horizonte.
Não contamos por módico
o inventário de que somos peões.
Antes fôssemos
generais sem comenda
os favoritos da desmedida
um magma feito de sangue sem cicatrizes
caóticos devido à linhagem da medula
e sintomaticamente imortais.
Somos imortais,
dentro de uma medida do tempo.
Travámos guerras esquecidas.
Colámos
com a saliva que desonra
as cicatrizes para sempre puídas
que quimera alguma há de apagar.
E um idiota
diz de si mesmo
ministro do futuro.
(Salva-o, in extremis,
por não fazer alarde
em causa própria
de ser o ministro do futuro.)
E ninguém se desfaz
do segredo tão simples
de dizer:
travamos
as guerras esquecidas.
[Agradecendo a Timothy Morton, “ministro do futuro”]
Es-croque
monsieur.
[Precaução
para não ser processado
pelo empresário dos barquitos.]
Admita-se a concurso
a esbelta forma da provocação
antes que tudo seja tomado
pelo fantasma do sopitamento.
A pele estremunhada
testemunhava o exílio dos deuses
aprisionados num labirinto.
A legião acusava os conspiradores
sem saberem erguer por um dedo sequaz
nomes e rostos.
Os deuses
de rastos
eram consumidos numa pira improvável
e nem sacudiam da pele os vestígios das chamas
distraídos pelo pasmo.
Do outro lado da cidade
as ruas exultavam
e, não por acaso,
(de acordo com uma possível festa de conspiradores)
as árvores estavam floridas
como se batessem recordes.
Esta era a litania dos subjugados
o avantajado sofrer pedagógico
fonte de sacrifícios em nome da redenção
de repente
tudo levado ao banco dos réus
sob os auspícios de juízes desconhecidos.
O resto já é sabido:
a justiça ajuizada como convém
profanação dos parâmetros habituais
segundo a legião,
ou a diligente justeza
como se fosse avalizada
pelas divindades ora contestadas.
A gramática perfumada contava o precedente:
“soul flowers”
era o apanhado da métrica desembaraçada
entre o assoreamento matinal
e a ginástica verbal.
O poeta
esse
fingia que dormia.
Os versos tingiam a penumbra
e ele estava próprio do dia derruído
antes do tempo.
As estrelas jogavam esgrima
e não bolçavam violência:
era uma espécie de circo
um circo dos bons
e no céu acenderam-se metáforas
uma aurora prometida
contra os mastins que povoam pesadelos.
As estrelas em esgrima
subiram à medalha de ouro
e abrigámos na fonte dos desejos
olimpíadas com esta silhueta.
Sunday, bloody Sunday
depois de tantos e arrastados
domingueiros na estrada.
Verte os garfos desassisados
sobre o sal do dia
e respira
com os olhos bem abertos
a alma que irradia.
Antes se dissolvesse numa solução alcalina
essa ideia anã que amadurece
com o viço dos analfabetos.
Antes fosses astronauta de doca seca
partidário visível,
daqueles que se ufanam
por darem o peito às balas
tartufo desmedido de circense veia
e as palavras
bolorentas
entronizadas no carvão atávico
dos que se ensimesmam na vaidade vã.
Antes fosses
calado
e em teu calado nascessem vesgos atributos
e tu soubesses da tua desdita
e calado
no calado de quem se sabe grotescamente pilhérico
atiras a fala à parede
só para a ver liquidada
(a fala,
não a parede).
O posto postiço
soletra um salitre umbilical
coalhado na coação do dia
faz-se ente de estimação
entra nas apostas do dia
e adormece
triunfal
nas alvissaras de um travesseiro.
Os dedos colados ao céu
ateiam a trovoada nascitura
e depois aplaudem, concretos,
as estrelas que esbracejam ao acaso.