13.9.24

Censo

Só de cedo ser

cego as certezas sábias

na seara onde sobra o sono

que pela certa sou incerto

e sondo os sinos assombrados

para ao serão soltar um seráfico sorriso

e ao sabor das sílabas

saber

o sabor incensado do saber

que não se encena.

#3261

O farol aceso 

mascara a noite 

com mil disfarces 

ao arrepio da mágoa.

12.9.24

#3260

Bebem pelas medalhas 

ufanos 

legitimamente,

antes não lhes vistam à força 

a bandeira.

11.9.24

Injustiças indocumentadas (428)

De um golpe alto

ninguém fala 

em protesto.

Injustiças indocumentadas (427)

Spin,

doctor.

#3259

No rebordo do dia 

o silêncio sobe 

ao veio dos sonhos.

10.9.24

Injustiças indocumentadas (426)

Na missa campal 

voaram salmos 

esgrimiram-se orações 

e as redenções andaram em saldo. 

#3258

Um cabresto 

para o gongórico 

a bem da humanidade.

9.9.24

Ambivalente

Um estorvo que não é daninho

a água fruída pelos lábios porosos

a caxemira que se entreteve nos dedos

o sobressalto herdado de um tempo remoto

os olhos lunares atravessados na estrada

a maré alta sem mastro onde hastear

as obras peregrinas que inventam a cidade.

Injustiças indocumentadas (425)

A sociedade está fraturada.

Abram alas aos ortopedistas.

#3257

Escoltas

sob o tédio exorcizado 

a maresia das palavras combustíveis.

23.8.24

Injustiças indocumentadas (424)

Tirar

o cavalinho da chuva 

antes

que o animal se constipe.

Injustiças indocumentadas (423)

Arrojar

o barro à parede 

só para saber 

se a parede aguenta.

#3256

Por revisão constitucional 

a extinção da pastilha elástica.

22.8.24

#3255

Apeado 

extinguiu-se 

no vagar da decadência. 

21.8.24

Certificado de aforro

As pregas da velhice 

apoderam-se das páginas lidas

passam a ser o pavimento central

a orquestra onde todos tocam

de olhos fechados. 

 

O tempo é um entretenimento,

a resolução de um dos pares 

entre bolas de fumo que gravitam devagar

e olhares algures errantes na monotonia. 

 

Uns acordes avulsos

um rumorejo que vem do mar

o cabelo acetinado

ou o pouco cabelo

lembram o desinvestimento que é o futuro. 

Ou um tiro

de pólvora seca

que seca as secantes marmoreadas 

nos dentes compostos de raízes válidas. 

 

Não se pressentem 

os vultos prometidos

não vagam as horas fermentadas 

e as costas sentadas do dorso da melancolia

protestam

e protestam:

que adianta fugir do chão 

que se avizinha?

Injustiças indocumentadas (422)

O trabalho entre mãos

disfarça

o trabalho que está entre os pés.

#3254

Uma meia desfeita 

apenas 

para não ser inteiro 

desmancha-prazeres.

20.8.24

Injustiças indocumentadas (421)

Dizer da época estival 

que é a silly season

peca por excesso de autoindulgência, 

como se no resto das temporadas 

ninguém declinasse para o disparate.

Injustiças indocumentadas (420)

Dar duas a abater

e são as sucatas que ficam a lucrar.

#3253

Desinstalamos a angústia, 

penhores de uma espécie de desfuturo. 

19.8.24

#3252

A metáfora 

é um esconderijo. 

18.8.24

Injustiças indocumentadas (419)

É bom 

que se saiba 

que um par de botas 

está para além 

de tudo.

#3251

Um dia mau 

não é 

(necessariamente)

um mau dia. 

#3250

Antes seja o bisturi 

pelo nome da manhã 

a deter o silêncio aprendiz 

à mercê dos dedos filigrana. 

17.8.24

Injustiças indocumentadas (418)

Se passado a pente grosso 

muitas seriam 

as arestas em carne viva.

#3249

Não é desta pálida magreza 

a derrisão bolçada 

em sopapos de pretensiosa superioridade.

16.8.24

#3248

Vais dar troco ao Camões 

e não é em moeda fraca.

 

[Prolegómenos de um poeta]

15.8.24

#3247

Ó país desdentado 

que te despenteias na falta dentes 

e ficas à mercê de vampiros que mentem.

#3246

Atravessas as ruínas 

o coalho pendido nas paredes 

avança contra a imodéstia da desmemória.