Asfalta as juras com cores banidas
alimenta os demónios com uma casta singular
extrai o magma abraseado dos ramos puídos
e fala
fala com o desejo da liberdade
antes que o anoitecer absolva as trevas.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Asfalta as juras com cores banidas
alimenta os demónios com uma casta singular
extrai o magma abraseado dos ramos puídos
e fala
fala com o desejo da liberdade
antes que o anoitecer absolva as trevas.
Foragido ou forasteiro
a neblina que embaciava o entendimento
tornou-se embaraço a estorvar a lucidez.
Aos que apostavam no forasteiro
ficou sem explicação
o modo furtivo de quem desconfiava
até
do mais leve suspiro limítrofe.
Os que deitaram dinheiro no foragido
não souberam perceber
os modos ligeiros que eram pressentimento
misturado entre os demais
sem medo sequer do medo
e muito menos
da coerciva presença da autoridade.
Outros houve
que protestaram cautelas
em nenhuma das hipóteses:
forasteiro ou foragido
tocava-lhe decidir o estatuto
e aos demais o julgamento era vedado.
Na pior das hipóteses
haveria quem
absorto das condições contratuais do mundo
misturava as duas condições
na infame propensão
para enviesar o dicionário.
Lobriguei alcançar
a fábrica dos desacontecimentos
o lugar exuberante
povoado por uma miríade de nadas
repleto de bandeiras a favor da indiferença
sem causas nem apóstolos
(useiramente “personalidades”,
que as massas,
contra os prognósticos dos ideólogos,
gostam
– dir-se-ia, para caucionar o rigor,
precisam –
de ser apascentadas)
nem vagas de fundo,
que essas estão vagas
em sinal de maioridade das massas.
Empanturrei-me
sofregamente
como se fosse o pária dos párias
na ágora dos desacontecimentos
trespassado por um irredentismo não banal.
Deitei-me
uma sensação de total preenchimento interior
era o que sentia na pele em flor
como se a mente pesasse
a tonelagem de um elefante.
Durante os sonhos
entoei uma prece
aos párias dos desacontecimentos
sob o protesto dos gurus limítrofes.
Deixei-me posar ao lado de uma interjeição.
O quadro parecia bucólico
os dentes cariados bem escondidos
pelos lábios em forma de perfeição
lábios daqueles
que ateiam pensamentos carnais
enquanto a voz de comando
ordenava ao luar que mantivesse
a compostura.
Um poema não dá de comer a ninguém,
advertia o ministro com a pasta toda
e o séquito,
os conselheiros mais os rapazes do partido
e aqueles patuscos
que se emprestam como pano de fundo
quando sua excelência perora para as tevês
– a seita de aspirantes
acenava obedientemente
concordando
– pois então.
Uma serpente espreitava
entre os pedregulhos sobranceiros
ao lago no jardim grande
salivando o veneno
que só os déspotas entendem.
Não bati em retirada;
aliás
não bati em nada
sou um pacifista emérito
e nunca
– juro que nunca,
sem correr o risco de ser apanhado
na curva sinuosa da mentira –
tirei de esforço com vivalma
viva ou morta.
Nestes preparos
vou ali às escondidas fumar um cigarro
eu,
que não sou fumador,
só para contrariar o edil de Milão
que se lembrou de proibir o tabaco ao ar livre
aprisionando-o
na extensão do fascismo higiénico
que coloniza e coloniza e coloniza.
A exuberância da época
ou a embriaguez dos convidados
para o festim do consumo:
todos aos saldos
todos aos saltos.
Em meu nome
as bandeiras derruídas
os archotes contra o solipsismo
a matéria etérea nas costuras do dia
os dados que nos são dados
enquanto os dedos adivinham a manhã.
Em meu nome
constelações por inventariar
a pele junto ao peito
o forasteiro dividido
entre a pertença e a ausência
um proeminente cabo que investe contra o mar
a maresia agitada contra as bocas druidas
uma armadura à prova de mundo
o cais generoso.
Em meu nome
o paradeiro dos escrivães dos tempos omissos
a letargia fundente
o degelo armistício
o esquecimento pródigo.
Muito se fala
da última instância
sem se saber do paradeiro
da instância primeira.
Ainda esperneiam
as borras do ano ido
e uma promessa de ano
debate-se
no frágil espaçamento do tempo.
Oxalá
as carnificinas fossem todas
o efeito de poemas terçados
pelas bocas assintomáticas
de poetas e recitadores.