9.1.25

Campo de desconcentração

Asfalta as juras com cores banidas

alimenta os demónios com uma casta singular

extrai o magma abraseado dos ramos puídos

e fala

fala com o desejo da liberdade

antes que o anoitecer absolva as trevas.

#3377

Diz o desdito 

em tradição

com a impermanência.

8.1.25

Foragido ou forasteiro

Foragido ou forasteiro

a neblina que embaciava o entendimento

tornou-se embaraço a estorvar a lucidez.

Aos que apostavam no forasteiro

ficou sem explicação

o modo furtivo de quem desconfiava

até

do mais leve suspiro limítrofe.

Os que deitaram dinheiro no foragido

não souberam perceber

os modos ligeiros que eram pressentimento

misturado entre os demais

sem medo sequer do medo

e muito menos

da coerciva presença da autoridade.

Outros houve

que protestaram cautelas

em nenhuma das hipóteses:

forasteiro ou foragido

tocava-lhe decidir o estatuto

e aos demais o julgamento era vedado.

Na pior das hipóteses

haveria quem

absorto das condições contratuais do mundo

misturava as duas condições

na infame propensão

para enviesar o dicionário.

Injustiças indocumentadas (488)

Não é boa gastronomia 

(ter de) 

engolir palavras.

Injustiças indocumentadas (487)

A memória 

(nem sempre)

é o melhor guarda-factos.

#3376

A dinastia dos loucos 

no estorno da lucidez. 

7.1.25

Praça dos desacontecimentos

Lobriguei alcançar

a fábrica dos desacontecimentos

o lugar exuberante

povoado por uma miríade de nadas

repleto de bandeiras a favor da indiferença

sem causas nem apóstolos

 

(useiramente “personalidades”,

que as massas,

contra os prognósticos dos ideólogos,

gostam 

– dir-se-ia, para caucionar o rigor,

precisam – 

de ser apascentadas)

 

nem vagas de fundo,

que essas estão vagas

em sinal de maioridade das massas. 

 

Empanturrei-me

sofregamente

como se fosse o pária dos párias

na ágora dos desacontecimentos

trespassado por um irredentismo não banal. 

 

Deitei-me 

uma sensação de total preenchimento interior

era o que sentia na pele em flor

como se a mente pesasse 

a tonelagem de um elefante. 

 

Durante os sonhos

entoei uma prece 

aos párias dos desacontecimentos

sob o protesto dos gurus limítrofes.

#3375

Tudo 

o ser e o nada 

o inadiável e a metamorfose. 

6.1.25

Denúncia do fascismo higiénico e de outras modernidades compulsórias (e compulsivas)

Deixei-me posar ao lado de uma interjeição.

O quadro parecia bucólico

os dentes cariados bem escondidos

pelos lábios em forma de perfeição

lábios daqueles

que ateiam pensamentos carnais

enquanto a voz de comando 

ordenava ao luar que mantivesse 

a compostura.

Um poema não dá de comer a ninguém,

advertia o ministro com a pasta toda

e o séquito,

os conselheiros mais os rapazes do partido

e aqueles patuscos 

que se emprestam como pano de fundo

quando sua excelência perora para as tevês 

– a seita de aspirantes

acenava obedientemente

concordando

– pois então.

Uma serpente espreitava 

entre os pedregulhos sobranceiros 

ao lago no jardim grande

salivando o veneno 

que só os déspotas entendem.

Não bati em retirada;

aliás

não bati em nada

sou um pacifista emérito

e nunca 

– juro que nunca, 

sem correr o risco de ser apanhado 

na curva sinuosa da mentira – 

tirei de esforço com vivalma 

viva ou morta.

Nestes preparos

vou ali às escondidas fumar um cigarro

eu,

que não sou fumador,

só para contrariar o edil de Milão

que se lembrou de proibir o tabaco ao ar livre

aprisionando-o

na extensão do fascismo higiénico

que coloniza e coloniza e coloniza.

#3374

Sabíamos solta a boca, 

o juramento da fala 

sem embaraços.

5.1.25

#3373

O ouro vertido 

em lágrimas sem velo, 

a ironia 

de um homem arnaz.

4.1.25

Injustiças indocumentadas (486)

Bicho do mato 

– e depois?

Injustiças indocumentadas (485)

Se não há 

almoços grátis 

é porque há 

gratuitos jantares?

Injustiças indocumentadas (484)

Entrem num restaurante 

e experimentem 

se há almoços grátis.

#3372

Tiramos à pele 

o corsário

nós 

os tão civilizados, 

selvagens sem a cor de o ser.

3.1.25

Injustiças indocumentadas (483)

A exuberância da época

ou a embriaguez dos convidados 

para o festim do consumo:

todos aos saldos

todos aos saltos.

#3371

Que prosa me contas, 

ó avesso da alma, 

nestas vascas da vida?

2.1.25

Em meu nome

Em meu nome

as bandeiras derruídas

os archotes contra o solipsismo

a matéria etérea nas costuras do dia

os dados que nos são dados

enquanto os dedos adivinham a manhã. 

 

Em meu nome

constelações por inventariar

a pele junto ao peito

o forasteiro dividido 

entre a pertença e a ausência

um proeminente cabo que investe contra o mar

a maresia agitada contra as bocas druidas

uma armadura à prova de mundo

o cais generoso. 

 

Em meu nome

o paradeiro dos escrivães dos tempos omissos

a letargia fundente

o degelo armistício

o esquecimento pródigo.

#3370

De parte alguma, 

a voz certeira

o olhar síndico.

1.1.25

Injustiças indocumentadas (481)

Muito se fala 

da última instância 

sem se saber do paradeiro 

da instância primeira.

Injustiças indocumentadas (480)

Self-mad man.

#3369

Ainda esperneiam

as borras do ano ido 

e uma promessa de ano 

debate-se 

no frágil espaçamento do tempo.

31.12.24

Injustiças indocumentadas (479)

De uma torta cepa 

faz-se bom vinho.

#3368

Coincido comigo

no deserto fundeado 

no tempo sem paradeiro.

#3367

No país da cunha 

o falatório não é de mais 

em tendo linhagem certa 

os nomes convocados.

30.12.24

#3366

Que arrelia 

o galho pendido 

a ferir a fala,

fendida.

29.12.24

#3365

Oxalá 

as carnificinas fossem todas 

o efeito de poemas terçados 

pelas bocas assintomáticas 

de poetas e recitadores. 

28.12.24

#3364

Contrassenha

no avesso do bilhete de comboio 

antes que a desmemória 

trate do abismo do tempo.

27.12.24

Brasão

O passado do passado 

que passa 

passado 

a passar no pesado lacre 

da genealogia.

#3363

Na pira 

crepitam as palavras acesas 

o rumorejo prolongado da dinastia.