Se tivesse cara
de muitos amigos
precisava de um cofre.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Escolhi os dados sem números
não creio que a sorte tenha paradeiro
e que se oponha ao bálsamo do azar.
Escolhi o acaso
a melhor tradução da sorte e do azar.
A pele como a pedra granítica
o suor como a chuva fria
a noite como o sono fundo
as serranias como uma voz doída.
Permitia o verbo dissidente
enquanto pendia sobre a fogueira
todavia de atalaia aos mastins desenfreados.
Sentado numa margem
(a margem da sua escolha)
olhava os altaneiros procuradores
com desdém
deles desconfiando por dever de princípio.
Os outros também desconfiavam dele:
era por intimidação
esbracejando com o medo da dissidência
e com a solidão que lhe era dedicada
como preço a pagar pela ousadia.
Esse era o incentivo diligente que precisava
para continuar a morar naquela margem.
Não brandissem bandeiras
hinos que faziam levantar plateias
os ossos dos antepassados
como fermento da pertença
ou até o idioma por que se faziam entender
(que a língua só é pátria para os literatos
que a usam como ferramenta de profissão)
não despachassem para os compêndios da História
ou para outras mnemónicas sebastiânicas:
a matéria-prima que precisava
era o livre pensamento
dispensava
todas as trelas aparelhadas
pelos diligentes engenheiros
que ensinam a obediência irrenunciável.
Até hoje
não se arrependeu.
O antídoto da ferrugem
é saber que a ferrugem
não existe.
No dia
em que a mnemónica
se perder no restolho da distração
a ferrugem
vai começar a tomar conta de tudo
com vagar mas pertinácia
até atingir o estatuto de irremediável.
Nessa altura
Nem a nostalgia
(ou sobretudo ela)
será antídoto aceitável.