18.3.25

#4047

O festim 

troca silêncio por solenidade 

averba um porvir que dispensa 

juras.

17.3.25

Jardim

A participação na dança

não

o esmero nos socalcos 

onde se aformoseiam palavras

sim

o sulco na costura do Sul

talvez

o lugar embaciado

que desfalece no colo sentinela

não

o tira-teimas

contra teimosos incorrigíveis

sim

de malas aviadas no porão do futuro

talvez

e depois o grotesco pesar

que grita por dentro de vozes sombrias

não

o logro defenestrado

no óbice dos mastins profissionais

sim

e um adiamento sem deusa

apenas critério

talvez.

#4046

A ordem da lata 

sem tergiversações aposta 

em mandantes medíocres.

Injustiças documentadas (525)

Uma força 

que é uma farsa.

 

(De um cão que ladra 

mas fica por morder)

16.3.25

Marioneta

Em choque frontal

o clarão acende-se na frontaria da cidade.

As olheiras mandam nos rostos

eles que foram vacinadas a contra as lágrimas

os esgares disfarçando a fuligem dos rostos.

Não há espoliados na contagem dos danos:

a rudeza dos corpos

é o tirocínio sem falta

o olhar lúcido que se projeta

no cais firme em que se lançam as mãos.

#4045

O ruim humor 

pela calada

desarruma os olhos atreitos.

15.3.25

Injustiças documentadas (524)

Fazer suar os alarmes

como quem vai à sauna.

#4044

Pede, 

e espera, 

deferimento;

penhoradamente

– penhoradamente

 

(ou lá o que isso é: 

manto do fingimento,

disfarce dos impostores).

14.3.25

Assimetria

Cabia na enseada o curto chapéu da memória

as ondas modestas a roubarem o silêncio.

Nas trovas providenciais arrumavam-se as vozes

fendidas no espectral avanço da fala

pequenas sereias habilitadas pelas palavras.

Quem podia dotar a palavra

escondeu-se na mudez.

Ninguém soube a não ser o nada

menos os que se refugiaram no silêncio

que nem sob tortura acabariam por ceder.

Não faz mal:

o que escondem como monopólio do saber

tem a mesma importância 

das coisas desimportantes.

Reverencial

Avanço no medo

soterrado

pelos lingotes que falam manhãs

as umbrias que esbracejam

uma fala.

 

Concedo um lanço

aterrado

com os magotes que povoam amanhãs

as fímbrias que esvoejam 

o que cala.

#4043

Dizer 

transparente

para esconjurar 

fantasmas.

13.3.25

Mátria

A tua boca sabe ao sal que anoitece. 

A minha adormece saciada. 

Da noite que se entroniza sob o nosso olhar, 

os versos devolvem o silêncio. 

Em nós, 

a poesia amanhece sob o luar sentinela. 

Daqui é o dia que somos soldados,

armados com as munições dos amantes. 

#4042

Não fica o asfalto por dizer 

nesse pranto que se faz limítrofe.

12.3.25

O luar assaltado

Guarda a noite no espantalho ao relento.

 

As vozes que campeiam

são como pastores solitários

farejam as flores do campo.

 

Não meças na lua

a estatura desembaraçada:

o luar assaltado não remedeia

os esgares feitos por alturas do entrudo.

 

Guarda a noite

como se fosse um tesouro

e conserva-a na ossatura centrípeta

antes que os demónios estraguem o dia

e o vulcão ameace chegar ao céu.

Injustiças documentadas (523)

A desgraça

não é nada misantropa.

#4041

A bula 

não expurga

a gula.

11.3.25

Associação de ideias

Um joelho nas ideias:

 

para quê larapiar um saco de boxe

se os dedos indigentes 

descuidam do acesso à lua?

 

E depois

eram muitos os que mordiam o lábio

o reverencial bafejo que conspirava;

 

os desconfiados finam-se

de tanto desconfiar

como aqueles impostos que tributam

tudo o que ousar mexer. 

 

Não soube ser noite durante o dia

a crisálida veio contra mim

e fiquei com uma cicatriz

em forma de seis.

 

Não importa.

 

De hoje para trás

sei 

 

dos oráculos sem combustão

 

encontro-os no escuro

de olhos vendados

porque é fácil ser feiticeiro

quando tudo

 

já é sabido.

 

Injustiças documentadas (522)

Aos desmancha-prazeres

devia ser decretada 

a catadura de terroristas.

#4040

Dado o porte solene 

Avinagra-te de cima a baixo 

antes que sejas o rosto 

usado pela rua.

10.3.25

Rendição não rima com redenção

Rendição não rima com redenção. 

 

Os garfos ciciam ao ouvido

a récita teimosa

um rosto coberto por uma nuvem

extasia-se com o encantamento do ocaso

e devolve

em ovações 

o revolver espaçado que vomita munições

à medida que os rendidos se ajoelham

perante o futuro. 

 

Aos peticionários da redenção

alguém acenda a gambiarra

e diz-lhes

com o rosto imperturbável dos algozes

que ali só se trata de rendições. 

Então

desenganados

as almas cabisbaixas

ao corrente do espaço em breve finito

cambaleiam na antecâmara da morte

condenadas

os olhos cobertos por lágrimas de sangue

o tempo inteiro havido

cerrando as alcáçovas onde tudo se extingue. 

 

Naquela noite

os algozes hão de saber

que é uma noite igual às demais

sem a espinha açambarcada pelo remorso

que a redenção falhada

ficou por conta dos que se renderam

e eles

a raça superior que esbraceja o poder

nunca serão apanhados 

no delta da rendição.

#4039

Mais pelo torto 

do que pelo direito 

o sortilégio este de errar.

9.3.25

#4038

No sobressalto do tempo 

a voz demora-se 

num desfalecido pesar. 

8.3.25

Injustiças documentadas (521)

Ave, 

te saúdo, 

sem que me digas 

que o ave vale um avo.

#4037

Alguém se lamenta: 

agora 

é sempre a descer; 

ao menos 

vai cansar menos. 

7.3.25

Injustiças documentadas (520)

Vamos 

serremos as fileiras 

para testar a sua resistência.

Injustiças documentadas (519)

Não tenho etiqueta: 

cortei-a cerce

(que a etiqueta 

era exuberante). 

#4036

Os fantasmas

saltavam à vara 

pareciam 

atletas olímpicos.

6.3.25

Bullet points

Somos feitos de metáforas

a argamassa fina que cola os ossos

a cidade fecunda de onde tutelamos o mar

somos 

os gomos gordos que escorregam dos dedos

a alvenaria todavia puída

um refúgio escondido na planície 

uma gramática a desjeito

o desajeitado forcado 

que levanta o dia pelos cueiros

a mortalha suada sobre a boca servil

uma imenso mapa 

à espera de lugar.

#4035

Saltar barreiras 

sem manual de instruções.

5.3.25

Rendição

A rendição

tem de ser escrita 

apalavrada

com a jura solene de uma assinatura 

ou pode ser apenas dita 

sem entoar a jura 

apalavrada?

 

A rendição

é a tatuagem da derrota 

ou pode embutir na madeira 

um empate cavalheiro?

 

A rendição

pode ser fingida 

ou sendo apalavrada 

não admite farsa?

 

É possível

falsificar a rendição?

 

E o que interessa a rendição 

se não há sequer 

beligerância?