Temos a coragem
de contra à fruta
como má ela é?
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
A boca segreda
o poema matinal.
A pele interior,
magma impaciente,
acende a lua diuturna.
Hibernamos no cais
onde as flores
têm os nossos nomes.
O comité da baunilha
declarou a interdição dos verbos
que se inspiram na lua.
Dizem:
têm inveja
que o luar têm um aroma
invejado pela baunilha.
Ao que um anónimo grita
perdido no meio da sala:
objeto essa abjeção
em lado nenhum
o aroma da lua
rivaliza com a baunilha.
As cartas transparentes
como quem procura as soluções
antes de começar as palavras cruzadas:
a regra é a desregra
penhor da exceção
a metamorfose das regras.
Não custa sabê-las
só é custosa a obediência.
E ainda maltratam
desde manuais de instruções
a códigos dos generais da moralidade
como anátema
a anarquia.
Dão as asas ao cavalo errado:
as lágrimas vertidas no espelho
são de um puro sangue
e os puros sangue
dispensam asas.
Não se engasta o ouro
nos anéis escondidos:
as ameias confirmam inimigos
ou apenas uma imagem deles
pois os que não desconfiam
sentenciam através de janelas
franqueadas.
Os deuses estão com dúvidas:
os rios
não param nas vírgulas do tempo
e há vozes que não se viram do avesso
com medo da pele vetusta.
Os rios
sobem pelo entardecer
como se fossem a caução dos famintos.
Disse-me a maresia
a lua quer ser gémea do teu olhar
tremer nos lábios prementes
que desfazem a fala nos beijos telúricos
verter o sal vulcânico nas cicatrizes fechadas
e dizer
com os pulmões a sangrar o ouro haurido
que teus são os olhos que cobram a noite
nas fachadas incandescentes
que demoram na quietude do luar
escondidas nas nuvens furtivas
que fingem o ar dos dias
no ouro das tuas mãos regaço.
O foro próprio
em assentidas tardes de deliberação
desconspira as tábuas malditas
que procuram úbere.
Sobre as coisas do mundo
verto um olhar espartano
melhor é quando a esperança
é vetada à partida.
O algoritmo dos costumes
desembaraça-se do biombo.
O número das bestas corre no estuário
chovem os botões de rosa
arrancados aos pés
e a bengala puída
cambaleia com a ajuda do vento.
Ninguém fugiu da noite radiosa
a lua ajudava a compor os olhos vadios;
se não fosse pelas ruas penhoradas
a pele tinha a cor do luar
e isso era uma coisa boa.
As promessas quase sempre
não passam de promessas.
Mas as pessoas não desistem
antecipam as ilusões que marejam
no miradouro onde os sonhos
se dissolvem.
Dizem
sentados num proverbial lugar-comum:
sonhar não paga
imposto.
Se rareia a lucidez
é porque andamos entretidos
em mundos paralelos,
a fugir do anátema do existente.
Não soam os verbos puídos
com o advento do crepúsculo:
não querem sair do esconderijo
dispensáveis
ao saberem da gravidade da maré reinante.
Mas
às vezes
(mais)
é preciso dar lugar às palavras-parafuso
aos estrénuos, lancinantes versos
que cozinham as coisas em cru
deixando as madrugadas órfãs
por ausência justificada
numa maceração atónita.
E as ondas embutidas na pele sacrílega
fumigam os lugares-comuns
como se as pessoas pudessem
com a franqueza que não é atributo
despossuir-se das amarras de outrora.
Carimbam as palavras
que não deixam créditos à indiferença
impassíveis
à reprovação dos estandartes do regime
as pessoas suas cultoras
elas sim
indiferentes à censura
que morde em vez da amnistia.
Os anéis apertam a jugular
jogam as partidas dinamitadas
sobre o chão insalubre onde se encontram
as raízes de quase tudo.
Amanhecemos nas bocas plenas
e não esperamos pelo tempo
habilitamos nós mesmos
as falas que condoem
os espíritos avulsos que não desistem
de serem órfãos
mas se confundem com vítimas.
Ninguém diga
ser perito
em fugir das emboscadas
averbadas em páginas puídas
como se só houvesse contingência
da nuca para trás.
Do incubar que levita conspirações
não retenho doenças que subam às bandeiras
não convoco os demónios;
deixo-os à míngua
eviscerados na sua própria
amputação
e assim soberano
dito os termos dos erros voluntários
evaporo os arrependimentos larvares
mal esboçam um movimento na sua aurora.
Este é o alvará dos frágeis
a imensa penumbra que embacia as palavras
os temerários discípulos das coisas nadas
que açambarcam a luz tépida das manhãs
que prolongam o estio.
Eis a poderosa saída para um segredo hipotecado
as águas doces sem serem sobremesa
os patifes que ninguém respeita
oráculos de um medo dissolvido
os párias
os autênticos párias
que não respondem a hinos e bandeiras
e são o paradeiro
da sua própria história.
De bruços
afocinhando na pútrida fealdade do mundo
antes que seja a vez do Verão
coser os corpos em banho-inferno.
Arregaçada
a pele conjuntural
atira-se ao fogo
com uma vontade aquosa
de quem tem muitos rios a dormir
no leito.
Os rostos queriam ser perenes
arqueados sobre as pernas infatigáveis;
sobra um lago por fazer
as fronteiras imarcescíveis
bordando as costuras dos seres,
à prova de guerras civis.
Na véspera da noite inaugural
as falas sublevam-se
contra a validade dos corpos.