11.11.05

O que podes dizer (tanatologia da razão)

Podes dizer
que já nem as cores do Outono interessam
as aves ladinas perderam a graça
ou o riso das crianças que entoa a alegria só um rumor
perdido na bruma espessa que mumifica o frio.

Podes até dizer
que o azul do céu perdeu a beleza
as ondas do mar perecem em indistinta monocromia
as vozes inspiradoras gelaram o seu canto.

Num estremecimento apetece-te clamar
que a injustiça é injusta
a escuridão um breu aterrorizador
a insidiosa hipocrisia criminalizada seria.

Mas para além da deriva niilista
algo, poderoso, cativa sentidos.
Misteriosa dimensão
como se fé obscura fosse,
inconfessável, impenetrável
varre negras nuvens de um horizonte que queres
amanhecido em todo o tempo.

Então dás conta da contradição:
prisioneiro do agnosticismo
a esperança que fervilhas sufoca
na mão pesada da razão que se abate.

Achado a meio de uma encruzilhada,
sem saber por onde ir,
vacilas:
ora acertar o caminho por onde as ondas da razão apontam,
ora cegar a ditatorial racionalidade
e partir,
partir rumo ao nada que te espicaça.

És déspota da tua certeza
nos muros pedregosos e escorregadios
que não podes escalar.

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