11.12.06

Cedo e tarde demais

O relógio avança, impiedoso.
Encurta o tempo útil que a vida conhece.
Cada segundo que passa,
mesmo os muitos segundos
que nem sequer se dá conta
que foram esvaídos,
matéria inerte emoldurada
num retrato dos tempos idos.
Apenas nostalgia
aqueles dias da revisitação do passado
entrega do presente nos braços do torpor.
O tempo definha.


Urgência em chegar mais cedo às rotinas.
Uns minutos mais cedo
fosse a poupança do tempo balão de oxigénio
soprando o tempo útil da existência.
E, contudo,
a perplexidade é uma interrogação:
apressar os ritmos é chegar mais cedo ao destino,
o desfecho extemporâneo?
Os olhos, a voragem dos sentidos,
devoram a informação
as artes que se entregam no regaço
as sensações inexprimíveis dos sentimentos.

Há,
na pressa de viver
a urgência em morrer?

A inquietação de sentir
que a urgência do modo não é elixir.
Os passos apressados,
o encurtamento dos minutos,
a catadupa de coisas agendadas
- tudo arroteia o agreste terreno
para depois perceber
muito mais por ver
por fazer
por dizer.
A angústia nomeia uma larga avenida
no labirinto das emoções.
Síntese de sentimentos ambíguos
- doce e amargo,
a cor e o negro embaciado,
tudo e mais no seu profundo contraste.
Sucessão de passos acelerados
e de quedas em profundos precipícios,
tão profundos
que o corpo parece planar na imensidão do vazio,
sem lugar para a queda amortecer.

Tudo se passa no interior de um pesadelo.
Enquanto o corpo se debate na vertiginosa queda
o tempo parece ter parado.
Desfilam
as imagens nevrálgicas do passado
momentos que compensa relembrar
e aqueles que a memória quer cegar.
Toda uma experiência de vida
compulsada no mergulho no precipício.
O corpo nunca chega a estatelar-se.
O sonho termina antes,
antes do chão ameaçador se fazer campa voraz.

Ao despertar
o sabor ácido do arrependimento.
Como o tempo já não regressa para resgatar.
Do imortalizado no lugar das memórias
não há lugar ao arrependimento.
Em vez da tranquila contagem do tempo,
sem pressa para degustar a vida lânguida,
a urgência do modo.
Pressa de viver
o receio que ao chegar ao terminal
tanto tenha ficado por conhecer.
Lá,
onde o tempo se compacta
para extrair toda a sumarenta existência,
sobra a angústia:
do que parece cedo
envenenar o entardecer das coisas.

O grande paradoxo.
Desorientado na encruzilhada fatal.
Ora cedo
ora com a perturbante sensação de que já é tarde
ou que a chegada se fez fora do tempo.
Os lamentos
apenas choros inconsequentes
pelo tempo que não volta a acontecer.
Módicos fragmentos dos episódios esparsos,
um atrás de outro
ceifando arbustos estorvos da passagem.
No calor tórrido do sol
faúlhas de incêndios consomem o arvoredo
vomitadas das distantes labaredas,
poisando no cabelo,
cortando a respiração.
Calor abrasador que destila o suor
- o suor de quem vive em correria,
por querer chegar cedo
aos lugares onde só tarde se arriba.

Calor dos sentidos tolda discernimento.
A febre de viver apressadamente desfaz a tranquilidade,
como navio à deriva levado pelo mar tempestuoso
contra as rochas que escondem a praia.
Fica a dor do embate nas rochas
o rescaldo da urgência do tempo;
esquece
que só os ponteiros do relógio ditam a sua marcha
não os simulacros que intuem a aceleração do tempo
sem perceber que o pavio se encurta.
Fica uma intensa dor
como se na boca
eclodisse uma pedra incandescente:
a urgência de cedo chegar
imprime a antecipação do final
que se anseia sempre adiado.

Cedo,
ou a sombra do tardio ocaso.

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