30.12.14

Gourmet não acidental

O dente de leão.
Metia o dente de leão
às iguarias que viessem.
O amesendar era diferente:
não eram mesas de madeira
não eram savanas com arbustos rasos
nem mares com o sal como tempero.
Os campos eram de outra igualha.
Era onde os gentios se desembaraçavam de rivais
e, em não sendo hienas,
terçavam urros para seu território marcarem.
Gulosos,
metiam o dente frio às iguarias todas.
Pareciam aviadores na coleção de estrelas
que ostentavam, com garbo, à lapela.
O dente branco,
impecavelmente afiado,
era um punhal sem contemplações.
O dente era quente quando a preceito
espetava-se na carne deliciosa,
anestesiava-a.
O dente era frio na implacável destreza.
Os sussurros ecoados ao ouvido
em amestradas cantilenas rituais
Enfeitiçam as presas.
Depois
é um ver-que-te-avias.
O tempo não conta,
as memórias dos rostos também não
(dissolvidas em ácido deixado pelas lágrimas de alguém):
sobra uma contabilidade sem tempero.
Um amontoado de corpos
pernas e troncos entrelaçados na difusa memória.
E o tempo que interessa que parece esgotado
na voragem do instante.
O dente de leão
(consta a lenda)
não se gasta.
Os suores depois
tratarão de provar a profecia.

16.12.14

Harmonia

As pedras coalhadas são o chão ceifado
por onde seguem alces destemperados.
Rios apascentados emprestam suor à paisagem.
Estorninhos vigiam o arvoredo, procuram intrusos.
Um padre peregrina.
Um cantor assina a pauta dos sabores.
Um cozinheiro ensaia a coreografia ousada.
E nem o bailarino tem a têmpera para meter a mão em arte alheia
nem os julgadores se fazem rogados para ciciar nas costas dos dementes.
As rosas não estremecem na coloração
nem com trovoadas medonhas que descarregam toda a ira.
As rochas agarram-se às raízes
não querem ser desapossadas do seu chão.
As pessoas entrelaçam-se em abraços dóceis:
não há estranhos entre ninguém.
As estrelas que incensam a noite ensinam o rumo
mesmo que as nuvens escondam o céu.
Os frutos colhidos são doces como nunca se soube.
O papel está branco
à espera de ver nele vertidas as palavras quiméricas.
O corpo,
indomável,
não mete freios aos impulsos.
Só contam os prazeres.