30.12.14

Gourmet não acidental

O dente de leão.
Metia o dente de leão
às iguarias que viessem.
O amesendar era diferente:
não eram mesas de madeira
não eram savanas com arbustos rasos
nem mares com o sal como tempero.
Os campos eram de outra igualha.
Era onde os gentios se desembaraçavam de rivais
e, em não sendo hienas,
terçavam urros para seu território marcarem.
Gulosos,
metiam o dente frio às iguarias todas.
Pareciam aviadores na coleção de estrelas
que ostentavam, com garbo, à lapela.
O dente branco,
impecavelmente afiado,
era um punhal sem contemplações.
O dente era quente quando a preceito
espetava-se na carne deliciosa,
anestesiava-a.
O dente era frio na implacável destreza.
Os sussurros ecoados ao ouvido
em amestradas cantilenas rituais
Enfeitiçam as presas.
Depois
é um ver-que-te-avias.
O tempo não conta,
as memórias dos rostos também não
(dissolvidas em ácido deixado pelas lágrimas de alguém):
sobra uma contabilidade sem tempero.
Um amontoado de corpos
pernas e troncos entrelaçados na difusa memória.
E o tempo que interessa que parece esgotado
na voragem do instante.
O dente de leão
(consta a lenda)
não se gasta.
Os suores depois
tratarão de provar a profecia.

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