1.10.11

Uma genética


Por vezes
nuvens que se acastelam,
Ameaçadoras.
Outras vezes
cresce no horizonte o sol resplandecente
e os corpos são beijados
pelo sol quente.
Todos os dias são uma quimera.
Todos os dias são um desafio.
E os dias,
todos os dias,
assim ganham sentido.

O oráculo do pretérito


Penteias os sonhos aveludados.
Beijas os lábios carnudos
– como carnudos são os caules de carnívoras plantas –
e evocas as sentenças que deste
do alto da sobranceria estilosa.
Hoje
tens o vazio à tua volta.
E nem assim,
arrependimento larvar.

30.8.11

Poema em modo O’Neill


Rectangulozinho esquizofrénico.
Risível
ou para ser levado a sério?
Cavalgas nas ondas furiosas
sopradas pela nortada agreste.
És a tua própria contingência.
Galo inestético
gastronomia que deifica o selvagem
folclore imberbe
fado choramingas
– o leito das ancestralidades que,
ó de tão bem espremidas,
fermentam uma imensa irrelevância.
Uma risível esquizofrenia.

15.8.11

Vaidades


O sultão barrigudo,
todo poltrão,
inclina a pança para melhor se notar
o nariz emproado.
Monta na abastança do petróleo.
Outros há,
tão pulcros como miseráveis,
que imitam a pose do sultão.
Não passeiam a proeminente pança
e a prosápia não jorra do petróleo;
sobra a empinada protuberância nasal
– e a mesma indigência mental.

3.8.11

À bolina


O garrote à volta das veias,
um archote prometido a divindades
sem rosto.
Demoram-se.
Os argonautas levitam na espuma quebrada.
À noite,
na decantação dos segredos,
depõem-se os sentidos no nevoeiro furtivo.

(Em Vilamoura)

8.7.11

Master plan


Scars.
Whether time is alone or not
scar tissue leaves a footprint.
The maturity of time
should deepen skin,
turn it into a shell

where outside rain has no place.
Then
it all gets simple.

5.7.11

Vassoura


Adamastores
pedaços de fantasmas
vultos da extorsão dos sonhos.
Na volta da corda,
em ricochete que troa,
cordeiros mansos
ou o restolho dos vultos suicidas.
E aprende-se:
glória a quem,
no fim,
sobra o sorriso.

22.6.11

Incurável

O peito sangrado

empresta-se às tempestades banais.

Vocifera as dores que beijam

cicatrizes por curar.

O peito ainda sangra.

Ao menos não é lívido.

13.6.11

Certidão de habilitações


Não tenho jeito
para dizer as palavras acertadas.
Nem jeito
para sentir as coisas apalavradas.
E, todavia,
à medida que busco o jeito
ele incuba-se na penumbra da alvorada.
A maturidade dos frutos pendidos
é o espelho das tentativas.
O jeito
em forma de esboço;
ou o jeito
na corrente desaustinada do rio indomável,
entreaberto na embocadura
onde o rio se acalma nas madraças águas do mar.
São o seu tutor,
as águas do mar:
um baraço que se agita,
desde as profundezas.
E o jeito por fim arrematado.

The remnants’ choir


Throw your kindness
amidst the agonising storm
and sing
(along with the birds’ choir)
the softness of your skin.

30.5.11

Perpétuo em vão


Espelhos lá fora.
O sol desmaiado.
Escadas atrás.
Um olhar através do copo embaciado.
Lágrimas de vinho derramadas no pescoço.
Desbravam as pegadas dos aromas.
Olhas em frente.
Ergues a promessa das premonições.
A bandeira da juventude perpétua, hasteada.
Até o nevoeiro a embotar.

24.5.11

Shadeless


Dare I say
a silky skin pledges my hands.
Should I say
words are meaningless
when your watering eyes melt inside my flesh.
Must I say
an harbour opens wide with the scent of your mouth.
I would say
an anchor I found sheltered in your sweetness.

18.5.11

Carta de intenções

Não há
na cortina baça das lágrimas
senão uma mão estendida
que decanta o amanhã.

15.5.11

Lição


Diz-me
os sabores que têm as cores.
Ensina-me
a entoar as melodias do sortilégio.
Diz-me
quantas histórias têm as alvoradas.
E sussurra-me
(bem junto ao ouvido)
as palavras que arrebatam as marés.