23.3.16

#12

Páginas assombradas
pelo vulto da estultícia
decaem no sono carregado,
já fúnebres.


22.3.16

Diadema

O homem pega num archote
e cospe chamas à noite imorredoira.

Percorre uma miríade de lugares,
subterrâneos lúgubres da cidade
e praias exóticas onde um céu encontra cais.

O homem vê baleias azuis
pássaros com três asas
um livro de poemas de cinco palavras
nuvens baças que tutelam as cores.

No apogeu
tira o revólver do coldre
fita-o demoradamente
e, num esgar de raiva,
deita-o ao rio lamacento e torrencial.

Tece uma tapeçaria abrasonada
à falta de pergaminhos a preceito;
transfigurado, mete-se em dedais
e agiliza o tapete encomendado.

À pálida luz
jura ter sido socorrido
por uma aurora boreal.

De nada serviu dizerem
que o seu lugar era um equador imutável.


21.3.16

Relógio de água

Dá-me a água doce
que vive dos poros abertos.
Dá-me a água dourada
que prevalece entre as paredes fechadas.
E eu prometo que te dou
o sangue inteiro
as paisagens do mundo
o colo quente
o voar de um pássaro
as mãos cheias de terra perfumada
uns olhos ávidos de ler o teu mapa
um corpo cheio à tua espera.
À tua espera.

Dá-me toda a água
dos mares e rios e lagos
a água fria que aviva o palco sob os pés
a água quente que termina a hibernação.
A água que nidifica numa clepsidra
no oscilar cadenciado dos ponteiros
amanhecendo luz irrefreável.
A água onde metemos as mãos
E desenhamos o mundo.

Dá-me água.
De todas as cores
temperada
tingida
crisálida
efervescente.
A água padrão
a água centelha
a água aristocrata
a água sentada
a água espelho
a água nutriente
a água pendida sobre as nossas cabeças.
Água.
Maresia.
E mais água.

Água
onde nadamos de braços enlaçados
onde boiamos em forma de tálamo
onde repousamos os beijos sem demora.
Em ti
quero a água como fonte fresca
que é em mim torrente
choque térmico em semente fulgor.

Água
até num deserto,
que a fazemos brotar de nossas mãos
na quimera de as termos entrelaçadas.