Sou
esta pele
o mapa sem rugas
sei-me por fora
das janelas,
representação ínfima
estilhaço devolvido
à fonte.
Está é a pele
emigrada
a veia gutural
ferida sem cicatriz
maré que se válida
na posse dos nomes
anestesiados.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Os estilhaços do Verão
juntam-se às algas
em despojos onde a maré termina.
Os espíritos estivais protestam:
o Verão devia ser mais duradouro
apesar dos corpos suados
das noites de sono embaciado
das ideias anestesiadas
do torpor hasteado em nome do cansaço
herdado do tempo precedente
ou talvez
apenas por causa
da indolência que não paga multa
na demorada temporada
do mui constitucional direito ao ócio.
Os estilhaços do Verão
pressentem a temporada consecutiva
o rame-rame outra vez
o adiamento das coisas que importam
a perene sensação da exiguidade do tempo
a sensação de tirania
exercida sobre quem da faina precisa
para manter o pescoço acima da linha de água
(um eufemismo para a sobrevivência).
O terrível nariz de mostarda
espera pela suite prometida
pois
aos odores não se atraiçoa o delido.
O palco não se desfaz nas paredes caiadas
se ao alpendre subirem as divindades perdidas:
pratique-se à besta casmurra
o mesmo destrato que aos tiranetes:
colheres de mostarda de Dijon a esmo
até as veias do cérebro se esgotarem
nos filões ávidos de ideias
lisérgicas.
Os idiomas falavam à vez.
As bocas procuravam nomes
como quem encontra uma morada.
O dia era o espelho das traduções.
Nada ficava por entender
não por falta de correspondência
entre os idiomas.
Alguém supôs um idioma universal
mas todos recusaram a intenção.
A língua franca
condenava os idiomas à insignificância.
Todos
(menos os eruditos do idioma franco)
baniam as intenções
que baniam a biodiversidade das línguas.
Os idiomas falavam à vez.
Mas falavam todos
uns com os outros.
Não sejas modesto
na poupança de metáforas:
o carrossel de palavras é o passaporte
para um idioma sem cansaço,
a avassaladora marca registada
que o cofre reserva
à tua guarda.
Sete são as chaves
que aferrolham os tesouros;
seis não satisfazem a função
e oito serão de mais.
A matilha
não obediente
suprime as normativas:
são os seus próprios anarquistas
e vítimas prediletas.
A carne não sangra;
canta
com os dentes entumecidos
e a gola da alma de atalaia.
O corpo que vocifera
rima com o idioma rouco
e é como se todos,
em uníssono,
pudéssemos morrer à nossa vontade.
[Idles, Vodafone Paredes de Coura, 17-18 de agosto de 2022]
Com a vossa licença,
que a manhã se faz tarde
e os provérbios estão à míngua:
deito o olhar ao rio
a ver se me devolve o sangue.
Se fossemos salteadores
e sonhássemos com montanhas
em vez de bandeiras
faríamos de poemas avulsos
o hino com mastro a propósito.
O que faço
deste dolo
provérbio gasto
ou apenas
intenção cimentada no mural
cisão entre o eu e o acaso?
O que faço
com este dolo
matéria sem linhagem
costuras acima da medida
a manga gasta no pelourinho
sem sentenças por perto
sem regras a servirem de gramática?
O que faço
metido
neste dolo?
A fava
deve ter as costas largas
ou é o embaixador vegetal
do patinho feio.