Da meada
que se doba
sem estafa
o labirinto.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Foi com este petróleo
que ateaste a candeia
e soubeste ser o que eras
antes de te saberes em estilhaços.
De repente
uma plateia de eruditos
dos que tudo sabem
cientistas eméritos
na posse de oráculos prestigiantes
reduzindo catedráticos a aprendizes
transfigurando o verbo achar
que se acha confundido
com os achamentos como opinião.
Um incómodo
neste ouvistão
cheio de achistas.
Toda esta mostarda
os bancos de nevoeiro
e os inspetores de costumes
e não se discorre a sua serventia.
Da centelha que esmaece
o crepitar que mantém acesa
a pele nutriente.
O mosto aviva-se
na pessoa da noite,
os sonhos não têm propriedade;
são rebeldes
têm vida própria
e nós,
o seu acaso,
deixamo-nos ser
seus peões.
Entardece
o olhar do dia
a pele ganha as rugas
seladas pelo crepúsculo.
O pai conta historietas ao filho
espera que o trate infantilmente
agora que é infante;
o pai espera
quando for avó
e a decadência tomar conta
do calendário
ter a deferência do tratamento
infantil:
dizem
que às cinzas somos devolvidos.
O entardecer
é a longa véspera
da noite em que se investe
a decadência.
Entre manhã e noite
(a noite que não acaba na manhã renovada)
a longa estrada que se atravessa
com os nomes tatuados
os lugares em inventário
as bocas suadas com o silêncio
a promessa de completude
(possível).
Tirando
os tiranetes fracassados
não se tange esta terra pelo tratado
da tirania.
Tirando
os truculentos tribunos
que tributam com o troar da sua tábua
os que se destronam da sua tutela
não se timoneira esta terra
pelo túmulo troçado.
Tirando
os tergiversantes que titubeiam e titubeiam
não se tarda esta terra
em testas-de-ferro.
Tirando
os tirocínios que tabelam a tabuada do tempo
não tende esta terra
para catecúmenos de meia-tigela.
Ontem
roubei do cofre
as farsas que hão de ser
amanhã.
E hoje
sei um pouco mais
do tanto que não gostei de ser
enquanto embaixador
do tempo por haver.
Amanhã
se ainda for a tempo
serei o mecenas das juras
e do passo estreito em que se adiam
para memória futura
as mentiras desembainhadas
ontem.
De ginjeira
– conheço-te de ginjeira,
advertiu com higiénica distância,
sem saber sequer
onde morava
a ginjeira.
O eco do luar
sem as arestas
do olhar freado
combina o bramido
do verbo crepuscular.
Não são as matilhas
errantes no conduto da noite
autoras dos males sendeiros:
são os pés dos meãos
transbordando do seu vagar
agigantados
farsas que se entranham
nas veias açambarcadas
viperinas desde então.
Como se o hálito do coiote amanhecesse
por dentro dos ossos
e até o nevoeiro enraizado se calasse
ao pressentir a trovoada que se hasteia,
a suspensão do dia adiada até data conveniente.
Se houvesse um feixe de sílabas escondidas
o coiote acordado toda a noite
de atalaia
a fingir o sono
dos que suas vítimas não querem ser
fugindo dos punhais alardeados pelo coiote
enquanto a maré inteira não se torna
apenas sobrevivência.
E fogem
do dia
dos dias consecutivos
por todos serem iguais
da fala
da imodéstia
das juras atiradas sobre o passado
de um lugar que seja pertença
de um lugar qualquer
em que consigam ser outro eu
à falta de saberem estar vestidos
nos deslimites em que se terçam.
Por não ser do coiote
essa culpa
tatuada.
Da boca
trapézios em murmúrios alpinistas
uma corda gasta quase a romper-se
mesmo sobre o precipício
faróis avinhados sem pontuação
olhos apontando aos jardins desarranjados
elipses encantatórias sob efeito de morangos
um punhado de lava decadente
a grandeza também decadente
e a saudade
suada
do silêncio.
Eram ralhetes a mais
e a menina suava como se a sua infância
soasse a infância outra vez
muito embora pressentisse
que da infância sobravam
só umas memórias que não queria
avivadas.
Podia ser que esses ralhetes fossem devidos
e ela teimasse numa loucura de espírito
que era como um retardador do tempo
– vinha mesmo a jeito
se já estivesse na idade madura
e o envelhecimento começasse a doer.
Não era o caso:
a menina ainda se considerava menina
e não era só porque a tratavam tantas vezes
por menina
vá-se lá saber se por deferência
ou apenas simpatia
ou por uma mal disfarçada misoginia
que se vestira do avesso,
tão farsante.
Os ralhetes eram sempre a mais,
ajuizou a menina
que não queria ser a vítima predileta dos ralhetes
e preferia que quem os pronuncia
se abstivesse da incumbência.
Também não é menos verdade
que os ralhetes não são encomendados
por a quem eles se destinam
e que há quem tenha o incómodo de os pronunciar,
empreitada que deve ser inominável
pois ela nunca emitiu um ralhete
e adivinha que seria tremendo incómodo fazê-lo.
O mal dos ralhetes
é de quem não tem razão.