1.5.23

Ralhetes

Eram ralhetes a mais

e a menina suava como se a sua infância

soasse a infância outra vez

muito embora pressentisse 

que da infância sobravam 

só umas memórias que não queria

avivadas.

Podia ser que esses ralhetes fossem devidos

e ela teimasse numa loucura de espírito

que era como um retardador do tempo 

– vinha mesmo a jeito

se já estivesse na idade madura

e o envelhecimento começasse a doer.

Não era o caso:

a menina ainda se considerava menina

e não era só porque a tratavam tantas vezes

por menina

vá-se lá saber se por deferência

ou apenas simpatia

ou por uma mal disfarçada misoginia

que se vestira do avesso,

tão farsante.

Os ralhetes eram sempre a mais,

ajuizou a menina

que não queria ser a vítima predileta dos ralhetes

e preferia que quem os pronuncia 

se abstivesse da incumbência.

Também não é menos verdade

que os ralhetes não são encomendados

por a quem eles se destinam

e que há quem tenha o incómodo de os pronunciar,

empreitada que deve ser inominável

pois ela nunca emitiu um ralhete

e adivinha que seria tremendo incómodo fazê-lo.

O mal dos ralhetes

é de quem não tem razão. 

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