Acredito no céu
para efeitos meteorológicos e astronómicos.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Rosnam as rosas na arruaça
os risos roçam os rouxinóis
e são as raízes reptícias
que arruam os rapazes ruins.
Que arrotam
tão remíveis por rebeldia
por receberem dos irresponsáveis
o raspanete por não rosnarem.
Já as regras ficaram rasas
e à rasca
roeram o resto da razão.
As vidas todas
outra vez.
O nevoeiro em erupção
a manhã sem sentinela
de vez.
O colibri imerso na tarde
subindo às costas do vento
de cada vez.
O troco do oráculo
sem troça das mãos
mal seja a vez.
A meda da fala
desembaraçada do silêncio
sem vez.
O obstinado pesar
culpando o dia de sombras
com vez.
A granada embainhada
e o peso gracioso da cortina puída
à vez.
As flores expropriadas de odor
sobre aviões amortalhados
talvez.
O poema embarcado
empresta sal ao angustiado mar
só desta vez.
A sina que procura orfandade
no vagar do entardecer sincopado
em que seja vez.
O sonho afeiçoado na tempestade
colhendo as pétalas maduras
uma vez.
Atiro o rosto
contra a conspiração.
Não será em mim
legítimo o medo
ainda
que o medo morda fundo
e deixe a pele lívida
mergulhada em anestesia.
Atiro ao medo
as munições angariadas
sirvo-me da intrepidez
e convoco o sangue para a rebelião.
Antes que o medo se componha
e como se de uma maré viva
me condene à hibernação,
ou à obediência.
O arco que vai da alvorada ao acaso
entra pela pele sem ser cicatriz
convoca as ondas que se levantam na nortada
e canta os diademas
desenhados pelos dedos incansáveis.
Habilitam-se
os caos embutidos em azulejos diáfanos
mostram-se as coisas pelo seu avesso
proclamam-se as insolências
que são o aval dos párias
e num golpe de asa
antes que o amanhã seja apenas outra véspera
amotina-se o espírito irrefreável
contra as muralhas que se encandeiam pela manhã
quando sobre elas sobe o sol vulcânico
e o corpo dá tudo de si
ao dia anunciado.
Tudo não se incendeia
se não na perecível promessa que se encena
e as farsas continuam a cheirar
o cu do amanhã.
Mastigadas as palavras
um bolo alimentar indigesto:
se houvesse por pleitos
as batalhas navais feitas de provérbios
só os indigentes estariam à altura
de campeonatos.
Mas as mastigadas palavras
pareciam
frenéticos embaixadores
em estado lisérgico
nos seus jogos escondidos
inconfessáveis:
palavras mastigadas
eram cuspidas como perdigotos
e os anátemas da gaguez caíam
como água fervente a derreter o gelo:
uma mastigada,
dizia-se,
e não era loa tributada
aos escansões das palavras
assim amarrotadas e gongóricas.
Foi com este petróleo
que ateaste a candeia
e soubeste ser o que eras
antes de te saberes em estilhaços.
De repente
uma plateia de eruditos
dos que tudo sabem
cientistas eméritos
na posse de oráculos prestigiantes
reduzindo catedráticos a aprendizes
transfigurando o verbo achar
que se acha confundido
com os achamentos como opinião.
Um incómodo
neste ouvistão
cheio de achistas.
Toda esta mostarda
os bancos de nevoeiro
e os inspetores de costumes
e não se discorre a sua serventia.
Da centelha que esmaece
o crepitar que mantém acesa
a pele nutriente.
O mosto aviva-se
na pessoa da noite,
os sonhos não têm propriedade;
são rebeldes
têm vida própria
e nós,
o seu acaso,
deixamo-nos ser
seus peões.
Entardece
o olhar do dia
a pele ganha as rugas
seladas pelo crepúsculo.
O pai conta historietas ao filho
espera que o trate infantilmente
agora que é infante;
o pai espera
quando for avó
e a decadência tomar conta
do calendário
ter a deferência do tratamento
infantil:
dizem
que às cinzas somos devolvidos.
O entardecer
é a longa véspera
da noite em que se investe
a decadência.
Entre manhã e noite
(a noite que não acaba na manhã renovada)
a longa estrada que se atravessa
com os nomes tatuados
os lugares em inventário
as bocas suadas com o silêncio
a promessa de completude
(possível).
Tirando
os tiranetes fracassados
não se tange esta terra pelo tratado
da tirania.
Tirando
os truculentos tribunos
que tributam com o troar da sua tábua
os que se destronam da sua tutela
não se timoneira esta terra
pelo túmulo troçado.
Tirando
os tergiversantes que titubeiam e titubeiam
não se tarda esta terra
em testas-de-ferro.
Tirando
os tirocínios que tabelam a tabuada do tempo
não tende esta terra
para catecúmenos de meia-tigela.
Ontem
roubei do cofre
as farsas que hão de ser
amanhã.
E hoje
sei um pouco mais
do tanto que não gostei de ser
enquanto embaixador
do tempo por haver.
Amanhã
se ainda for a tempo
serei o mecenas das juras
e do passo estreito em que se adiam
para memória futura
as mentiras desembainhadas
ontem.