O futuro
já aconteceu
quando ler
esta linha.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
O posto postiço
soletra um salitre umbilical
coalhado na coação do dia
faz-se ente de estimação
entra nas apostas do dia
e adormece
triunfal
nas alvissaras de um travesseiro.
Os dedos colados ao céu
ateiam a trovoada nascitura
e depois aplaudem, concretos,
as estrelas que esbracejam ao acaso.
Nuvens vadias,
disse a meteorologista
deixando a verdade
a voar acima das nuvens.
A casa não é o bolor
as paredes não se descumprem
e as janelas são vantagem
sobre o exterior.
Caso sejam inquiridos
os alicerces dirão em ata
os maiores encómios.
As suas habitantes almas
são o arnês expedito
o aval à prova de abalos telúricos
o atestado que suplanta
os melhores cálculos engenheiros.
Os fórceps diários
eletrocardiograma previsível do mundo
as golas derruídas esbatendo as vozes malsãs
à míngua de arquitetos salvíficos,
extintas as epifanias.
Mergulhas no rio matinal
e sabes
que a pele ruge pelo frio que a trespassa;
os homens querem-se audazes,
ouviste pela vida fora,
sem ser preciso frequentar quartéis
e convenções de nostálgicos
(onde a boçalidade é o verbo farto):
é ao contrário,
arregimenta-se o fino nervo que serve à pele,
a sensibilidade (dizem)
que levita sobre as coisas brutas da vida
emprestando beleza à vida de outra forma bruta.
Tudo é um império de fingimentos
e está é a adversativa que soma uma contusão
às maiores esperanças adivinhadas
para memória futura.
Os rostos são colonizados por disfarces
e nem precisam de máscaras.
As pessoas parecem mortos antes do tempo
ficam paradas à espera da tabuada dos mistérios
como se fossem pescadores
pacientemente aguardando um sinal místico:
a prescrição da anestesia que não pediram.
Juras que não sabes
de que dores é feito o mundo.
Se te dessem para a mão a agulha de tricotar
não darias ao mundo
um emaranhado paradoxal como formato
nem saberias do que serias doador.
Mas não juras nada.
A experiência ensinou-te
a lei geral da inverosimilhança
o pudor estatutário que refreia o ânimo
o contrabandear das almas que se vestem do avesso
a obediência arcaica que coage a liberdade
o impensável como critério cautelar
a colossal humildade de quem é indiferente
o arsenal destituído devolvido à arma da palavra
o fogo apalavrado que ateia o futuro
em toda a carne sangrado
matéria-prima incandescente da vontade
o esteio incorruptível
à prova de provações
privado do medo que nega a pessoa.
Macacos me mordam
que me esqueci
de perguntar aos macacos
se me querem morder.
Nadar em forma de concha
o pé arriscado um passo atrás
arrematar o futuro
antes que ele seja pacto.
Mandatado pela tatuagem que debitava vanidades
parei diante do estuário
o amplo parque de estacionamento de navios
e senti que as palavras queriam lava
os dotes avulsos subindo à boca de cena
antes que as omissões se tornassem olvido.
Era o chão fértil dos grandes escapistas,
tortuosa a espera pelo ontem havido,
enquanto no apeadeiro se falava um idioma caro.
O amurado cear não tinha o luar por companhia
mas não fazia mal:
há almas que substituem a angústia por centelhas
trazem em mão as suas próprias centelhas
e recusam a luz fabricada.
Depois de amanhã
voltaria ao lugar de anteontem.
Suspeito que os dias não combinam
e tudo se fará farta colheita nos bolsos revezados.
Se por dardo entenderes
o dia nascente, plúmbeo,
tuas serão as cortinas puídas
que se abatem
sobre o dorso alquebrado.
Ninguém sabe
que a desculpa é de mau pagador
se não se souber que o pagador
tem o nome no Banco de Portugal.
O que perguntas ao futuro
se o futuro ainda procura
um paradeiro?
Que parágrafo estabeleces
entre as ameias do tempo
para consoar no sangue-frio?
A que demónios dás coutada,
aos poéticos ou aos políticos?
Espalhafatoso.
Espalha factos.
Espalha fatos
(em trincheiras
devidamente documentadas
só para fazer de conta
que é
como na Primeira Guerra).
Sabendo
que “deus está no meio de nós”
descobri
que o ateísmo se deve
a um de nós
e não é em ti que o mal reside.