Ditador.
Dita dor.
Dita a dor.
[O da Coreia do Norte, a subir ao comboio, dizendo adeus à Rússia]
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Ditador.
Dita dor.
Dita a dor.
[O da Coreia do Norte, a subir ao comboio, dizendo adeus à Rússia]
Se são outros quinhentos
façam-me o obséquio de revelar
onde estão os primeiros quinhentos.
Dedos são dois
de uma conversa que pedia
(“eu sei lá”)
quinhentos, “assim” por defeito.
Nunca edil
foi tão contíguo
a evil.
[O Dr. Moreira queria armazenar uma estátua de Camilo e Ana Plácido porque esta estava nua]
O basalto contorce-se com o suor da noite.
Desprende-se das faúlhas e povoa o vinhedo
e as pessoas
ao longe
confiam no desespero
atestam o desespero:
já pressentem as vozes periciais
já as pressentem
a atirar a semente do remanso póstumo:
o basalto
será o rosto físico
de um vulcão cansado
entretanto adormecido
e, arrefecido,
receberá em seus poros a quimera depois:
as sementeiras serão consagradas
num parapeito inóspito do mundo
onde as lágrimas se converteram em suor físico.
Tempos depois
já a lava ficara esquecida entre as folhas frondosas
os pecados ficaram por arrematar
(segundo os pobres anciãos
reféns do paganismo ancestral:
o vulcão tirado ao sono
é a vingança dos deuses enfurecidos):
a ira dos deuses sem nome conhecido
escolheu aquele lugar
a paisagem acrisolada nos novelos de basalto
nos cachos de lava tornada pedra
entre dentes de leão e acácias
entre os bagos das uvas milagrosas
e o vinho repatriado das balsas da lava estática.
Copérnico estava errado
pois tanto se evocam
os quatro cantos do mundo.
Insisto nos frutos maduros
que na boca arrumam lucidez.
Contrasto a fala amansada
com os lampejos de outrora
e contradigo os impulsos febris
a matéria volúvel que depressa
de extinguia:
são válidas as águas de agora
e os barcos navegam sem pesar.
Não falo para deuses inventados
nem para o futuro onde só estão
os anciãos.
Arrumo as perdas
como se não houvesse contabilidade.
No ábaco perene
as palavras são parentes dos algarismos
e não há equação distante
que fuja dos estábulos onde tudo fermenta.
Numa correria
como se tudo estivesse
em vias de extinção
e quase só sobrassem
memórias do futuro
não sabemos
se somos nós a passar
supersonicamente
pelos acontecimentos
ou se é o tempo às talhadas
impronunciável e ascético
que nos condena à matriz da irrelevância.
Confundimos tempo e modo
e por tanto sermos a esquadria de uma forma
numa anestesia total dos sentidos
esquecemos das desconvenções
a fala arquétipo que condensa a maturidade.
Esquecemos
há um ser em nós
que não se resume a um eu
esse eu é uma fortuna sem valor
esquecido por nós
arrematado num leilão de inconveniências.
Os rios emagrecidos açambarcam o olhar
desfazem-se no mar que os coloniza
como se fosse uma clepsidra que anula a luz.
Sabemos o que não sabemos
tanta a perícia costurada
na reivindicação do fogo
que acende o pensamento.
Não sabemos
do caudal do tempo
esgotado no esquecimento;
não sabemos
da nitidez das silhuetas
que oferecem redenção;
só sabemos
desnatar os ossos
calar a fala funda
obliterar o desassossego
– para sermos matéria domada
olhos pacientemente vendados
carne puída arrancada aos palcos amotinados
sitiados pelo torpor
ingénuas vítimas do despensar voluntário
nós,
os nossos maiores algozes.
Esconjuros à parte
os confrades ofereciam
pusilanimidade,
artesãos
de sonoros amanhãs cantados
insistindo no logro
ou acreditavam sob o jugo da carne própria
na enciclopédia que repetiam
como se fossem atores em cena
diligentemente repetindo o guião da peça
sem tergiversar
religiosamente.
O seu vaticano
era um museu de saudades
onde o frio do inverno
crestava à boca da melancolia.
Em cada sílaba amotinada
em cada corpo sitiado
as minas prometem-se
como flores audíveis
como dádivas lancinantes.
O ocaso nunca é tardio
é um acaso que conspira
com a ordem da contingência.
Como se houvesse manhãs
a fugir do entardecer
e, mudas, soubessem
o cantar das sereias refugiadas
num lugar que está atrás do horizonte.
Não contamos por módico
o inventário de que somos peões.
Antes fôssemos
generais sem comenda
os favoritos da desmedida
um magma feito de sangue sem cicatrizes
caóticos devido à linhagem da medula
e sintomaticamente imortais.
Somos imortais,
dentro de uma medida do tempo.
Travámos guerras esquecidas.
Colámos
com a saliva que desonra
as cicatrizes para sempre puídas
que quimera alguma há de apagar.
E um idiota
diz de si mesmo
ministro do futuro.
(Salva-o, in extremis,
por não fazer alarde
em causa própria
de ser o ministro do futuro.)
E ninguém se desfaz
do segredo tão simples
de dizer:
travamos
as guerras esquecidas.
[Agradecendo a Timothy Morton, “ministro do futuro”]
Es-croque
monsieur.
[Precaução
para não ser processado
pelo empresário dos barquitos.]