5.3.25

Injustiças documentadas (517)

Loção 

de confiança.

4.3.25

#4033

Provei a água do rio 

que dizem ser doce. 

Esqueceram-se de deitar

o açúcar.

Injustiças documentadas (516)

Fim, 

de citação.

3.3.25

Impedimento

Não sirvo o inadiável

não sirvo para candeia

não sou o servil fantoche

disfarçado na vontade de outros

estremunhado na sua incendiada vontade. 

Não suponho farsas

não me sento no lancil do desespero

não corro atrás das vanguardas

 

(que contradição de termos)

 

penhorado por rostos impassíveis

devolvido aos meus impossíveis. 

Arqueio o braço pendido

os copos fulgurantes descendo dos céus

a mecha sem mouche

ou o espantalho servido de espátula

cortando a direito no Direito

tal como

o povo escarcéu que pudesse 

ó vontade ser feita

esquartejava o alegado que julgaram 

antes do tempo

silenciando o alegado

que eles já sabem tudo

o que está em falta saber.

#4032

A alma rendida 

frugal.

2.3.25

Injustiças documentadas (515)

Torcer o nariz 

mas sem o quebrar.

#4031

De mim 

digo uma sombra 

o lugar imediato 

onde me cumpro 

frágil.

1.3.25

#4030

A língua-viva

a língua, viva 

viva a língua.

Injustiças documentadas (514)

Ninguém se importa 

com os mitos rurais.

28.2.25

Dose e meia (hipocrisia)

Cheia vai a barriga 

de genuflexões e elogios

todos bastardos.

 

Dizem: 

o que importa?

 

Mesmo sabendo que são uma farsa

justamente por deles se saber

serem uma farsa.

 

Dizem:

para hipocrisia

hipocrisia e meia.

#4029

O fevereiro

parece um gato 

sem cauda.

27.2.25

Injustiças documentadas (513)

Quero dar-te uma palavra;

não espero que gratifiques 

tão longânime desprendimento.

Elogio do silêncio

Pede o silêncio

que não se faça pouco 

da tímida luz. 

Não é encenação

e mesmo que fosse

ao teatro perdoa-se sempre 

o palco de fingimento. 

Fica a mordaça 

entregue às palavras

que não chegam a ser ouvidas. 

O silêncio esconde-se 

nas ameias guardadas 

por espartanos fiéis

os que juraram arremeter 

contra os gongóricos. 

A palavra breve

monástica

tem mais a dizer

do que a prolixa tempestade 

que as atira, intermináveis, 

para o lugar onde irrespirável

o ar se amaldiçoa.

#4028

Fujo 

do fermento que falsifica 

a farda à prova de farsas.

26.2.25

Os colarinhos do dia

Agarro o dia pelos colarinhos

desafio-o 

a ser o lado visível da coragem

a sair do lodo em que se consome.

 

As flores não se escondem nos canteiros

nem quando a tempestade vira tudo do avesso:

 

o dia 

não pode ficar por menos

só precisa de ser agitado

fortemente convulsionado 

pelos colarinhos

para se libertar do torpor suicida.

 

Ai do dia

se sobrar impávido

e os colarinhos vierem puídos:

 

ainda confiamos no dia

não precisamos que ele seja embaixador

da apatia que nos condena

a vegetar sem ânimo de coisa diferente.

Injustiças documentadas (512)

O que há a dizer dos amigos do alheio 

são duas coisas: 

primeiro, 

são de uma generosidade desarmante 

(são mais amigos do que não é seu); 

segundo, 

medram na antítese do narcisismo. 

#4027

Um figo doce 

ajaeza o adro

respira pelos poros

da calçada cerdosa.

25.2.25

Vesúvio

O que deixarmos sem tréguas

será a caução gasta dos impérios a destempo

o gume acertado no roseiral

enquanto se fabricam dádivas

e as palavras entontecem na magreza da maré. 

Os deslimites juntam-se aos patriarcas do medo

que falam idiomas incontinentes

e exibem as joias intensivas 

que pesam sobre o peito válido. 

Não aceitamos conspirações

nem damos troco a déspotas

no reino nosso sem hino nem nome

destinamos ao enfado 

os que aparam a língua puída 

e desfeiteiam as páginas límpidas

as que haviam sido resgatadas

ao céu luminoso que dava nome

ao horizonte.

#4026

Por um fio

Ariadne salvou o mundo.

24.2.25

You get these words wrong

You get these words wrong:

 

finjo

fujo

dou-me

às palavras fungíveis. 

 

You get these words wrong:

 

amortalhado, não

nem murado

pois antes

mestiçado

corrijo as palavras

em proveito próprio. 

 

E portanto:

 

leave me alone,

 

sentinela

subindo à lapela

sulcando o precipício

o sinédrio da sabedoria

em cestas ensinada

sideral

no centrípeto salão

das palavras em forma 

de senha.

#4025

O sono sonso 

açambarca o siso 

e assombra o barco 

que assoma no sonho sumido.

23.2.25

#4024

O acepipe avinagrado

o corpo arrastado 

de um régulo sem cajado.

22.2.25

Injustiças documentadas (511)

Está talhado

para ser salvífico 

mas desconfia-se

que não tarda a talhar.

#4023

O gatilho sem sombra 

as reticências ingratas 

a boca que não se esconde 

no silêncio.

21.2.25

#4022

Não somos santos nem magos 

nem à conta de tamanho infortúnio 

apascentamos mágoas.

#4021

Conta-me tudo 

não deixes que o silêncio 

seja língua franca.

20.2.25

Geometria descritiva

A colheita dos vis

avizinha-se no espelho riscado

rosnam os desavisados sem pudor

apequenados no vulcão despenhado

dispensando o grotesco rumor da turba. 

 

Não seja pela vileza desanónima

o fausto crepuscular que esbarra na clepsidra

um estilhaço misturado com a carne

a matéria corrompida no altar dos farsantes

e tudo o resto

 

destroços abraçados a comendas

o justo rugir que substitui os idiomas.

Injustiças documentadas (510)

Travou-se de razões 

antes que as pastilhas 

ficassem gastas.

#4020

O corpo tépido

no incenso da manhã

agiganta o verso do dia.

19.2.25

Vigia

As luzes escondem-se no labirinto do corpo. Não mentem: averbam as juras desprezadas nos despojos de um tempo sem sinal. Somos sentinelas dos sonhos sem paradeiro, como se déssemos nome ao estuário que abriga os navios. Emprestamos luz ao mar. E ouvimos dizer que o mar está de vigia por nós.