Viva
vi
iva.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Os últimos dias
foram apenas a véspera
de outros dias.
Deixo ao acaso
a matéria funda
onde as vozes se congeminam
o lugar não sonhado
das flores evisceram o medo.
Meto as metas no alfobre das perdas:
no lugar de onde venho
as armas não se terçam
diante dos rostos impassíveis
e sei das estrofes descombinadas
que aguentam tempestades.
Sei
de fonte segura
o dia seguinte
não se intimida com o pretérito
por mais pesado que seja
o composto herdado
por mais inverosímil que venha a ser
o apanhado das memórias
na colheita avulsa.
Os fantasmas
não precisam de esconjuro;
se fantasmas são
só se devem a quem os alimenta.
Sonho, todas as noites, com um país diferente.
Sonho com um país diferente todas as noites.
E são coisas diferentes.
O processo fabrica as mãos
no augúrio do desmedo
que averba o dia prodigioso.
O riso amacia as palavras.
Desmonta a privação de modos
em esgares que esconjuram a bondade
(ele há casos
em que os desmodos entre o casal
não significam
senão
o insensato despovoar de cortesia
a insignificância de um sentido sem cimento).
O sol irrompe atrás do nevoeiro matinal.
Há sempre uma cura
o fio que nos ata ao exterior de nós.
As varandas não deixam ninguém de fora.
Ah!
se soubéssemos o paradeiro
dos dicionários escondidos
não seríamos apóstatas
em nome próprio.
Perguntei ao espantalho
quantas auroras boreais tinha visto
ele disse
que passa muito tempo a dormir.
O cursor flameja
na folha branca e impaciente
à espera de uma ordem
à espera de se transfigurar
em palavras.
O córtex obsoleto
matéria-prima de necedades
concebe-se usura da inteligência
à conta da facúndia lúgubre.
Aos beócios sem remissão
as armas sem destruição massiva
(eles diriam maciça,
em rima
com a sua linhagem reconhecida)
a postiça erudição
à falta de paradeiro
profetas das suas próprias profecias
viciados na anestesia do demais.
Gota a gota
o suor bolçado
efervesce a pele
na clepsidra hiante.
Dos olhos
a paisagem sondada
desenha uma silhueta
no escafandro enferrujado.
No perímetro
lugar desviado do sagrado
adormece o adro
em seu sentido espectral.
Diz esta pérgula
que foi síndica de paixões
sem culpa formada
por ser bucólica atração.
Ao mar
as angústias evisceradas são devolvidas
nadam na profundidade
na escuridão em que medram.
Dou-me à noite
guardiã improvável da carne
na anestesia do pensamento
o lugar onde se fabricam os sonhos.
Que segredos esconde
a maré alta
a não ser a conceção do segredo
que se esconde sob o vidro fosco
do mar agitado?
Que verbos desalinha
a maré baixa
por deixar os destroços da maré prévia
de que não consta
sequer
entrada em dicionários?
Que saques
acordam na penumbra
enquanto as marés disputam o púlpito
e os números não contam
na aritmética?
Que provérbios
ficam por inventariar
pelo marégrafo intrigante
que esconde as folhas
sob o restolho do Outono?
Uma vantagem dos cínicos
é estarem sempre à espera
dos contratempos
para depois dormirem com eles.
Outra vantagem
é desconhecerem a língua de trapos
da desilusão.