19.8.25

Injustiças documentadas (576)

Viva 

vi 

iva. 

#4183

A luz interrompida 

um sismo no tempo 

o medo emudecido.

18.8.25

Injustiças documentadas (575)

Saia sem a saia 

sem que saia 

com maus modos.

#4182

As frases 

deviam começar sempre com “mas” 

para ninguém soar a falso.

17.8.25

Os últimos dias não são os dias últimos

Os últimos dias

foram apenas a véspera

de outros dias. 

Deixo ao acaso

a matéria funda 

onde as vozes se congeminam

o lugar não sonhado

das flores evisceram o medo. 

Meto as metas no alfobre das perdas:

no lugar de onde venho

as armas não se terçam 

diante dos rostos impassíveis

e sei das estrofes descombinadas

que aguentam tempestades. 

Sei 

de fonte segura

o dia seguinte 

não se intimida com o pretérito

por mais pesado que seja 

o composto herdado

por mais inverosímil que venha a ser

o apanhado das memórias 

na colheita avulsa. 

Os fantasmas 

não precisam de esconjuro;

se fantasmas são

só se devem a quem os alimenta.

#4181

As solas 

que desapertam 

os nós e os enredos 

são as mesmas 

que os calcam.

16.8.25

#4180

Perguntaram 

na sala de aula 

quem queria ser Napoleão. 

Ao contrário de Dali, 

ninguém queria.

#4179

Obedece aos baldios 

as desregras 

são o melhor astrolábio.

15.8.25

Injustiças documentadas (574)

Ideias tão cerradas 

estavam mesmo a pedir 

para serem serradas.

Injustiças documentadas (573)

Sonho, todas as noites, com um país diferente.

Sonho com um país diferente todas as noites.

E são coisas diferentes.

#4178

As ondas rebentam

onde o areal as beija; 

um banho involuntário, 

não uma bomba fratricida.

14.8.25

Injustiças documentadas (572)

Em consciência:

inconsciência 

– um verbete da insânia. 

#4177

O ocaso 

é só a véspera

de outro ocaso.

13.8.25

Tira dentes

O processo fabrica as mãos

no augúrio do desmedo

que averba o dia prodigioso. 

O riso amacia as palavras. 

Desmonta a privação de modos

em esgares que esconjuram a bondade

 

(ele há casos

em que os desmodos entre o casal

não significam

senão

o insensato despovoar de cortesia

a insignificância de um sentido sem cimento).

 

O sol irrompe atrás do nevoeiro matinal. 

Há sempre uma cura

o fio que nos ata ao exterior de nós. 

As varandas não deixam ninguém de fora. 

Ah!

se soubéssemos o paradeiro 

dos dicionários escondidos

não seríamos apóstatas 

em nome próprio. 

Injustiças documentadas (571)

Coisas grossas em corpos finos 

acaba

numa trovoada desatada.

Injustiças documentadas (570)

Fez, 

tipo,

uma cena

no Sena.

#4176

Perguntei ao espantalho 

quantas auroras boreais tinha visto 

ele disse 

que passa muito tempo a dormir. 

12.8.25

Injustiças documentadas (569)

Escrevia 

dúvida 

e o teclado 

sintomaticamente 

devolvia 

dívida.

Injustiças documentadas (568)

Por falta de comparência 

– assim dita a lucidez.

#4175

O cursor flameja 

na folha branca e impaciente 

à espera de uma ordem

à espera de se transfigurar

em palavras.

11.8.25

O paraíso do monta-cargas

O córtex obsoleto

matéria-prima de necedades

concebe-se usura da inteligência

à conta da facúndia lúgubre.

Aos beócios sem remissão

as armas sem destruição massiva

 

(eles diriam maciça, 

em rima 

com a sua linhagem reconhecida)

 

a postiça erudição

à falta de paradeiro

profetas das suas próprias profecias

viciados na anestesia do demais.

#4174

Aceita o mau 

se o ou for o péssimo.

 

(Tempos desinteressantes)

10.8.25

Injustiças documentadas (567)

A esperteza saloia 

é uma desvantagem 

e um opróbrio regional.

#4173

Azar virado do avesso 

sem ser o idioma da sorte.

 

(Terra de ninguém)

9.8.25

#4172

Vista de fora 

a fronteira 

é só uma miragem.

8.8.25

Umbilical

Gota a gota

o suor bolçado

efervesce a pele

na clepsidra hiante.

 

Dos olhos

a paisagem sondada

desenha uma silhueta

no escafandro enferrujado.

 

No perímetro

lugar desviado do sagrado

adormece o adro

em seu sentido espectral.

 

Diz esta pérgula

que foi síndica de paixões

sem culpa formada

por ser bucólica atração.

 

Ao mar

as angústias evisceradas são devolvidas

nadam na profundidade

na escuridão em que medram.

 

Dou-me à noite

guardiã improvável da carne

na anestesia do pensamento

o lugar onde se fabricam os sonhos.

#4171

O disfarce

vestiu um disfarce 

e deixou de ser genuíno.

7.8.25

A procissão dos segredos

Que segredos esconde

a maré alta

a não ser a conceção do segredo

que se esconde sob o vidro fosco

do mar agitado?

 

Que verbos desalinha

a maré baixa

por deixar os destroços da maré prévia

de que não consta 

sequer 

entrada em dicionários?

 

Que saques

acordam na penumbra

enquanto as marés disputam o púlpito

e os números não contam

na aritmética?

 

Que provérbios

ficam por inventariar

pelo marégrafo intrigante

que esconde as folhas

sob o restolho do Outono?

#4170

Sou o dia aberto

o peito estrénuo

a fala sem intimidação.

6.8.25

Os cínicos

Uma vantagem dos cínicos 

é estarem sempre à espera 

dos contratempos 

para depois dormirem com eles.

Outra vantagem 

é desconhecerem a língua de trapos 

da desilusão.