11.2.13

Páginas a soldo


Sabias os olhos furtivos
sabias os cais embaciados
sabias as mãos quentes
e sabias as bocas corajosas.

Lias as palavras macias
lias os mundos desconhecidos
lias os mistérios no nevoeiro
e lias os segredos no gorjear dos pássaros.

E não sabias se leras
ou se fora só a campânula dos sonhos.
Que importava se tudo o que contava
eram os contos segredados pela maresia?

27.12.12

Descarnados


Só se ouve a serenidade.
A continência dos olhos que se não marejam
as mãos em sua impaciência
dois corpos interlocutores de um pressentimento
um pulsar em simbiose
as flores numa jarra, decantando despojos.
As noites que se metem na luz clara
e os sobressaltos que jazem, emoldurados em nada.
Somos tutores de um tempo que é nosso.
Só nosso.
Domámos o tempo fugidio.
Só contam os porvires onde se entrelaçam as mãos quentes.
Pelo meio dos olhares,
onde o mar se funde com o céu;
e por entre os olhares,
onde os corpos se fundem e são devolvidos à sua grandeza.
Ou encontram a grandeza que fora desconhecida.
Um rasto da serenidade que mede um mundo inteiro.

21.11.12

Antinomias


Lágrimas, a mortalha de um tempo já inútil.
Espelhos, o oráculo de um tempo ainda útil.

O contraponto que se exaure na finitude.

Às sombras, um arpão definitivo.
Às luzes, a constelação de um sinal.

24.10.12

Enquantos e pesares


Enquanto as nuvens se debatem
e as sombras se levantam.
Enquanto os corvos siam
e as folhas capitulam.
Enquanto as luzes persistem
e as alvoradas se não sitiam.
Enquanto tudo não for madraço
e as vozes protestarem sem embuço.
Enquanto os enquantos houver por contar
e um rosário de oxalás se não intimidar.
Enquanto tudo e mais o resto
saibamos roer a corda da resignação
morder as canelas do ímpios que nos adoecem.
Saibamos povoar a voz que se não atemoriza
saibamos ser o que o ser mandar ser.
Com todos os enquantos e pesares
os poréns e não obstantes
mas sempre na indomável recusa da rendição.

1.10.12

Tornados


Pudessem dos elementos sobrar apenas ruínas;
pudessem vontades irrefreáveis ceifar a lucidez;
pudessem ventos furiosos tudo açambarcar;
pudessem dedos mortiços tudo arrematar.
Contra a vontade indomável
não há tornado que tenha valimento.
Das veias cresce outro tornado
um vulcão vomitando sua lava
a vontade maior
– a mais irrefreável.
E não:
as peias só o são quando deixamos que sejam.