25.7.25

#4157

Às almas sem costuras 

a luz desalfandegada da madrugada.

24.7.25

Injustiças documentadas (561)

E se ao menos 

fizéssemos de conta 

que amanhã é amanhã.

Injustiças documentadas (560)

Se tirares as medidas, 

sobra-te um nada.

#4156

O bem da sombra 

é ser o avesso da luz.

23.7.25

Sobre a sorte

A flor

beija a noite

que a costurou.

 

O nevoeiro

sitia a cidade

num pesadelo contumaz. 

 

A fala

conspira uma mudez

no estertor da solidão. 

 

Uma ponte

a soldo dos rebeldes

amanhece contra os prognósticos. 

 

A estrada

consegue ser um vazio

sempre a fugir dos outros. 

 

A madrugada

vence a atalaia dos sentidos

no verso acanhado dos deuses sem sono. 

 

Um idioma

sobe pelos dedos túrgidos

rouba os emudecidos lábios. 

 

Até que extremados

os loucos vegetam na lua possuída

desfeiteando os demónios em barda. 

 

Páginas depois

o olvido impede a nostalgia

dos circenses que desabençoam a fogueira. 

 

Tarde

o bocejo arremata um par de minutos

até os curadores do medo deporem. 

 

Calada

a boca sela 

a angústia estilhaçada. 

 

O vento

vem de longe

contar uma matemática sem números. 

 

Vem contar

entre meadas de vozes sibilantes

os segredos mal guardados. 

 

Até que

os cobradores do futuro

se fechem na escuridão que os açambarca. 

 

Então

invisíveis aos olhos lúcidos

desapertam a escotilha e falam.

 

Falam

incessantemente

com as sílabas todas sem vergonha. 

 

Como

dentes-punhais

cortando a carne podre a eito. 

 

Para então

cúmplices

desassorearem a mudez contrafeita.

Injustiças documentadas (559)

Controverso.

Contra o verso.

Encontro o verso.

#4155

De todos os dotes 

arrefecemos o mundo 

das ilusões mandatadas.

22.7.25

Cultura

Não tenhas sede 

de cultura

que a cultura está distraída 

e não tem sede de ti.

Podes dizer

com toda a propriedade

que a cultura é como 

um camelo.

#4154

De todas as cores imprevistas 

tua é a fala preponderante 

um amanhecer sem promessas frívolas.

21.7.25

Metáforas sem sabor

Ainda hoje

estou para saber 

a que sabem as metáforas

angariadas às três pancadas.

 

Desconfio

que é só uma prova de vida

daquelas congruentes com a epifania

de quem se dá a conhecer

do alto do seu eruditismo.

 

Fora disso

a metáforas metidas a martelo

são como 

víveres fora de prazo

que contribuem

para comida datada.

#4153

A pele fria 

esconde-se dos verbos 

no encanto do entardecer.

20.7.25

Reciprocidade

O recíproco

as tenras daninhas

que absorvem os medos do mundo

a hipótese materializada

no cenário coloquial

e os braços vertidos do chão

déspotas da capitulação a destempo

o fortuito porta-voz

histriónico

a vender juros e barrigas de freira

antes que sejam conspirados

pela polícia dos costumes.

#4152

Que cisma

o cisma 

em vez dos catecúmenos.

19.7.25

#4151

Temos a coragem 

de contra à fruta 

como má ela é?

18.7.25

#4150

Dou e tiro

e depois

dou o tiro.

17.7.25

Injustiças documentadas (558)

Um pesadelo diurno 

também se traduz

nightmare?

15.7.25

#4149

Arranco-te dos braços 

da macieira 

querido lótus daninho.

 

[Haiku sul-coreano]

12.7.25

#4148

A cidade ferve 

sequestrada pelo sabre 

dos indigentes com pose de eruditos.

11.7.25

Os nossos nomes

A boca segreda

o poema matinal. 

 

A pele interior,

magma impaciente,

acende a lua diuturna. 

 

Hibernamos no cais

onde as flores

têm os nossos nomes.

#4147

Um sabre 

mesquinho 

a castrar do dia

a sua veia.

#4146

Um silogismo armadilhado

para saber

quem não adormeceu em pé.

10.7.25

Baunilha vs. lua

O comité da baunilha 

declarou a interdição dos verbos 

que se inspiram na lua.

 

Dizem:

têm inveja

que o luar têm um aroma

invejado pela baunilha.

 

Ao que um anónimo grita

perdido no meio da sala:

objeto essa abjeção

em lado nenhum

o aroma da lua 

rivaliza com a baunilha.

#4145

O rosto haurido 

conta os dias para trás 

fingindo a inércia do tempo.

9.7.25

Anarquia

As cartas transparentes

como quem procura as soluções

antes de começar as palavras cruzadas:

a regra é a desregra

penhor da exceção

a metamorfose das regras.

Não custa sabê-las

só é custosa a obediência.

E ainda maltratam

desde manuais de instruções

a códigos dos generais da moralidade

como anátema

a anarquia.

#4144

Apeado 

o sol nascente a mascarar o olhar 

esperou que o dia se fizesse homem.

8.7.25

Ninguém pediu a salvação

Dão as asas ao cavalo errado:

 

as lágrimas vertidas no espelho

são de um puro sangue

e os puros sangue

dispensam asas.

 

Não se engasta o ouro 

nos anéis escondidos:

 

as ameias confirmam inimigos

ou apenas uma imagem deles

pois os que não desconfiam

sentenciam através de janelas 

franqueadas.


Os deuses estão com dúvidas:

 

os rios 

não param nas vírgulas do tempo

e há vozes que não se viram do avesso

com medo da pele vetusta.

 

Os rios

sobem pelo entardecer

como se fossem a caução dos famintos.

Injustiças documentadas (557)

Torcer o nariz 

mas sem o fraturar.

#4143

O alfaiate da memória 

esconjura as cicatrizes

do tempo.

7.7.25

Testemunha

Disse-me a maresia

a lua quer ser gémea do teu olhar

tremer nos lábios prementes

que desfazem a fala nos beijos telúricos

verter o sal vulcânico nas cicatrizes fechadas

e dizer

com os pulmões a sangrar o ouro haurido

que teus são os olhos que cobram a noite

nas fachadas incandescentes

que demoram na quietude do luar

escondidas nas nuvens furtivas

que fingem o ar dos dias

no ouro das tuas mãos regaço.

#4142

O foro próprio

em assentidas tardes de deliberação 

desconspira as tábuas malditas 

que procuram úbere.