O dia irrompeu
trouxe a energia volátil que anda ao acaso,
dobrada pelos ponteiros do relógio.
Lá fora
as formigas humanas debatem-se
na atarefada rotina dos dias que se renovam.
Como se fugissem de casa
afogueados pelo tempo que escasseia
aturdidos pelo atraso instalado mal o dia começa.
Atropelam-se rua fora:
crianças levadas ao colo
outras palmilhando o caminho de mão dada
ainda sonâmbulas do sono despertado
por pais sufocados pela azáfama.
Curvadas pelas mochilas recheadas de pesados tijolos
- dizem-lhes, carregas às costas a sabedoria aos pedaços.
O asfalto abrasivo recolhe as rodas dos carros
na correria de quem tem pressa de chegar algures.
Silvos frenéticos
insultos esporádicos
a ensandecida escalada que devora a distância
que os separa das masmorras materiais.
Uns atrás dos outros
maquinalmente
ao ganha-pão que alimenta,
sacia vícios,
mostra ostentações reprimidas.
As caras ainda estremunhadas demoram a recompor-se
do sono pouco dormido.
As pessoas cruzam-se
sem darem conta que se entrelaçam em linhas descontínuas.
Fazem-se autómatos que seguem em fila
rebanho mal amanhado num torpor pelo vórtice
de um desconhecido destino que julgam conhecer
como o chão que pisam dias a fio.
Os trabalhadores da construção civil já laboram,
subindo o sol no firmamento;
testemunham passos acelerados dos apessoados.
Já envergam o suor do dia quente que se anuncia.
Suor misturado com a sujidade que enegrece a pele rugosa
nas dobras vincadas que entoam a aspereza física.
Testemunham, alheados de quem passa.
Como alheados andam os que, lá em baixo,
ignoram os anónimos empoeirados que se equilibram nos andaimes.
Respiram o mesmo ar,
o mesmo ar fétido,
um cocktail
de gases expelidos pelos automóveis
do ar abafado vindo do sul
das frustrações dilaceradas pelos caminhantes erráticos.
Na indiscrição do próximo
os apressados passeantes distraem-se
no tempo que passa, célere;
demoram-se no relógio que não se deixa atraiçoar.
Mais tarde ou mais cedo
a turba chega ao destino.
Sem lugar ao repouso
que outras tarefas, urgentes, esperam
- como tudo é urgente na lufa-lufa diária
de quem se aprisiona na hedionda rotina.
A rotina que faz de cada dia
uma indiferenciada imagem
uma nebulosa penumbra
obnubilada sombra
das aspirações que somos
e deixamos escapar no lento-demorado correr
dos dias que não se cansam de repetir.
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