Não somos mais senhores de nós.
Na aventura do que pensamos ser já conhecido
a surpresa
- do outro lado do espelho
uma imagem distorcida do que sempre acreditámos
ser o nosso eu.
Quase nunca admitimos
o que retrata o espelho.
A culpa sempre do espelho
invariável teimosia
de manter o que nos habituámos a ser.
Decerto o espelho terá anomalia;
embaciado, esconde a verdadeira imagem
do que julgamos ser.
E lá volta, a teimosia,
a toldar a vista numa esparsa miopia.
Os vapores diante da vista emudecem os sentidos,
esquadrinham as teias mentais que desfocam
a essência do outro que nos habita.
É como se andássemos todo o tempo enganados
no equívoco que semeamos sem dar conta
- ou possuídos por uma força indomável,
das entranhas,
comandada pelo espírito apoderado
que se recusa a deixar-nos ser algo diferente
na sua espontaneidade.
Enganados,
vista turvada pelo espartilho
do atilado ser que se entranha no seu conformismo.
É como se existissem vidas paralelas
que se separam pelo fio espesso
que impede de assumir o eu reprimido.
De tanto tempo amarrados ao estigma
nem damos conta que um caminho paralelo
anda ao nosso lado.
A vista,
ocupada em mirar a linha do horizonte
que se esboça.
A vista
ignora uma vida subterrânea que se cultiva,
sabe-se lá,
diferente, genuína, intensa, preenchida.
A fuligem acumulada reprime
a vontade de descobrir o desconhecido que somos.
Mas quando a perseverança vinga,
e saboreamos as pisadas do caminho paralelo,
preparados para a revelação do outro eu
que habita dentro de nós?
Habilitados a conviver com a alteridade?
Não será o temor do abismo
a mola para a dúvida na cristalina imagem do espelho,
encanando de defeitos o espelho maldito
que povoa tantas dúvidas?
Irrompe uma angústia assustadora:
sabemos que podemos ser algo de diferente
e o medo do precipício
trava o desejo de provar a pessoa diferente que podemos ser.
Aquietam-se os espíritos:
convencidos que devem preservar
a mediocridade que os invade,
melhor do que descobrir uma diabólica personagem
aprisionada no gume de um engenho manietado.
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