18.1.07

Da paradoxal dor

Coreografia incindível,
os corpos que buscam na dor
alívio da tranquilidade perene.
Receiam a dor
como a alterosa vaga que se anuncia ao longe
e vem embater,
com fragor,
no céu-da-boca que se lamenta.

A dor é carpida em silêncio
no recolhimento dos altos mastros
que semeiam lancinantes farpas;
percorrem o corpo todo
são a sua manta coberta de espinhos
onde o corpo recrudesce sofrimento.
Espalham-se chamas demoníacas
espetam archotes de uma dor arguida, intensa
gemidos que força nenhuma consegue reprimir.

A dor
antítese do corpo de bem consigo;
e, contudo,
há quem a venere em segredo
a ambivalente espera que ela tarde
e o secreto desejo que espreite à janela.
Aquelas horas de agonia
corpo contorcido pela temerária dor
são também santuário de regeneração:
a emboscada do suave instante da dor repelida.

Então a dor atinge o auge:
quando vai em debandada em visita de outro corpo.
A recompensa da torturante dor
é a maresia exaltante da sua ausência.
Só pelas dores da dor
fermentam os amores pela antítese da dor.
A ciência dos sentidos vem em demanda:
só há aprumo no sagrado
quando o seu oposto derramou agruras ideais.

Alguns entregam-se
na viciante dependência da dor,
droga anti-morfina.
Sensações que se misturam
e um novo equinócio de valores.
Dizem os sapientes:
as dependências são doentias;
por fácil ser ajuizar outrem
fazem cátedra
quando mergulham no interior dos outros.
Talvez a sua dor
– a maior das lancinantes dores –
seja essa:
não poderem viver dentro de outros corpos
não poderem viver as vidas alheias,
em vez das suas desinteressantes, triviais vidas.

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