3.1.07

Viagem numa estrela

O silvo do ar gélido sussurra-me aos ouvidos
como sou sentinela dos teus sonhos.
Prossigo
alado no vértice mais alto da estrela
fugindo das tormentas ao longe
onde vogam as nuvens acasteladas
– negras e assustadoras.

É nos braços da estrela que me entrego:
sabedora dos pontos cardeais
candeia por onde entram as coloridas avenidas.
Pela noite e pelo dia
(que o sono tarda em visitar-me)
vigio dos braços da estrela
os que erram sem destino
os que sobem ao alto do cavalo alado
e tragam águas desconhecidas
os que apenas querem o sossego de quatro paredes
e ainda
os que levitam a sofreguidão
e combatem o tempo inquieto
mais arrebatados que o tempo em si.

Cruzo os braços
na contemplação do espectáculo do mundo.
Nem o ar gélido
enregela a vontade de aspirar o zénite
trazer às minhas mãos o mundo
feito em minúscula bola.
Não é deus que me sinto
ou alucinação que aferroa o sono destemperado.
As palavras amontoadas em todos os idiomas,
uma amálgama inconfessável
inaudível.
Um pequeno ponto cintila na vastidão do mundo
que se espraia diante dos meus olhos:
uma pequena ilha onde me detenho
valiosa por todas as restantes ilhas que se passeiam.

É em ti que apetece demorar
reter a alvura da lua a resplandecer na tua face
dobrar os lençóis no teu sono destapado.
Quando cavalgo a estrela:
mil imagens de todos os quadrantes
perante uns olhos que se alimentam
dos teus olhos enormes e insaciáveis;
repouso nas melenas aloiradas que esvoaçam,
selvagens,
perfumadas pelo vento invernal;
não as imagens
mas os teus olhos,
as tuas mãos,
os lábios que beijam,
as gargalhadas musicais
a doçura da tua voz que brinca com as palavras
pastoreiam a tremenda posse de mim mesmo;
ao passear os meus dedos
pela tua pele acetinada
e tão imaculadamente branca.

Com as rédeas da estrela
sei-me sentinela do teu sossego.
No inverosímil,
mas verdadeiro,
tónico onde bebo as singelas gotas
que saciam a sede de existir.

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