Sabes?
Guardo segredos sem importância
fragmentos estilhaçados de vidas passadas
tento tecer as pontes que semeiam
harmonia.
Percorro a noite,
assustado.
Interrogo os fantasmas
se querem decifrar os segredos;
ao que me respondem com o silêncio escuro.
E assim ficamos
eu e os fantasmas
emparedados na encruzilhada sem pavio.
Pode vir a manhã mensageira
que os segredos teimam em bater alto
contra o meu peito.
Sei então que os guardo
só não sei da chave para os desacorrentar.
Queria que fosses penhor
dos segredos que tenho.
Queria que me dissesses
se são importantes,
ou apenas anónimos grãos de um imenso deserto.
Queria que fosses deles cúmplice
nem que fosse para que deixassem se ser
segredadas oníricas nuvens
que se ilidem na matéria
– ou eles os fantasmas avassaladores.
Mas nem eu sei de que jaezes são os segredos;
Nem eu sei
sequer
se há segredos.
Desconfio que sim
pelas aves que voluteiam por cima de mim
pelas brisas alterosas que me arrepiam a pele
pelas coincidências na dissimulação das superstições,
por tantos augúrios.
Oxalá
se abrissem as janelas
e os segredos só meus
sussurrassem
as inconfessáveis, amedrontadas
palavras da sua decifração.
Ou talvez não:
temente que os segredos
se desfaçam na desilusão que resguardam
promovidos a matéria insensível
arquivados no vetusto esquecimento.
Pelo caminho
apenas uma perdida oportunidade
de te fazer cúmplice
de uns quantos segredos meus.
23.3.07
15.3.07
Nuvens carmim
Alvorada.
O tecto de nuvens finas
filtra os matinais raios solares.
Espreitam ainda
do lado de onde irrompe o sol.
Hão-de ser de um dourado pujante
quando o sol hastear a pino
e queimar as peles encardidas.
Por ora,
apenas uma assustada luz soergue
tingindo a aurora de vivo encarnado,
pintando as finas nuvens
com a cor que não lhes pertence.
Na admiração do quadro horizonte
escoam-se os minutos
e desempoeira-se o envergonhado sol;
como uma pedra de gelo embutida no forno
é o encanto que se esfuma
por entre o movimento matinal que recrudesce.
Pelo dia fora
aquela imagem das nuvens purpúreas
acomete à retina.
Há ali uma sugestão infantil
a bola de algodão doce tingida
que ruboriza na dócil essência de morango.
Os raios nascentes sussurram-se
com pinceladas avermelhadas
que colorem as nuvens.
Atraiçoam a monocromia celeste:
deixa de ser o negrume nocturno
o intenso azul diurno
a cintilação soalheira.
O esfuziante da vida é assim,
efémero.
Fragmentos que se esgotam no instante
sobram como mananciais que sedimentam
a memória que apraz retratar
– nos quadros
nas palavras
ou apenas nas imagens retidas nos sentidos.
Trago em mim
a imagem das delgadas nuvens alteadas
perfuradas pela frescura do rubor intenso,
desvirginadas da sua alva palidez.
Perenes, essas imagens.
E diferentes do tingimento que se abate
na despedida do dia:
porventura
pelo cansaço do dia que se esvai;
porventura
pela euforia da luz diurna que se acastela,
diria que o carmim matinal é diferente:
majestoso e refrescante
lúdico e tentador.
Apetece que os dias amanheçam todos
com o céu desimpedido das plúmbeas nuvens
que escondem este quadro magnífico.
O tecto de nuvens finas
filtra os matinais raios solares.
Espreitam ainda
do lado de onde irrompe o sol.
Hão-de ser de um dourado pujante
quando o sol hastear a pino
e queimar as peles encardidas.
Por ora,
apenas uma assustada luz soergue
tingindo a aurora de vivo encarnado,
pintando as finas nuvens
com a cor que não lhes pertence.
Na admiração do quadro horizonte
escoam-se os minutos
e desempoeira-se o envergonhado sol;
como uma pedra de gelo embutida no forno
é o encanto que se esfuma
por entre o movimento matinal que recrudesce.
Pelo dia fora
aquela imagem das nuvens purpúreas
acomete à retina.
Há ali uma sugestão infantil
a bola de algodão doce tingida
que ruboriza na dócil essência de morango.
Os raios nascentes sussurram-se
com pinceladas avermelhadas
que colorem as nuvens.
Atraiçoam a monocromia celeste:
deixa de ser o negrume nocturno
o intenso azul diurno
a cintilação soalheira.
O esfuziante da vida é assim,
efémero.
Fragmentos que se esgotam no instante
sobram como mananciais que sedimentam
a memória que apraz retratar
– nos quadros
nas palavras
ou apenas nas imagens retidas nos sentidos.
Trago em mim
a imagem das delgadas nuvens alteadas
perfuradas pela frescura do rubor intenso,
desvirginadas da sua alva palidez.
Perenes, essas imagens.
E diferentes do tingimento que se abate
na despedida do dia:
porventura
pelo cansaço do dia que se esvai;
porventura
pela euforia da luz diurna que se acastela,
diria que o carmim matinal é diferente:
majestoso e refrescante
lúdico e tentador.
Apetece que os dias amanheçam todos
com o céu desimpedido das plúmbeas nuvens
que escondem este quadro magnífico.
10.3.07
"I'm tired of being God"
Inquebrantável o espelho
onde passa a languidez da tua generosidade.
Qual Madre Teresa
nascido para ser bondoso
espalhar com a magia dos dedos aquecidos
o altruísmo que deixa exangue.
Os astros o disseram alhures:
divina a condição que se empresta
aos predestinados.
Não para proveito próprio
na senda da monástica forma de vida
desprendimento de si e entrega aos outros,
às causas, às carências que agridem o mundo.
E sim
esta auto-deificação é uma implosão do ser
o esvaziamento das forças
o esvaimento de si.
Querer apascentar o mal dos outros
sem curar das maleitas que se apegam, teimosas.
Piedoso incorrigível
na laceração da carne tão ferida
que sangra as lágrimas interiorizadas.
Detrás de uma fachada luminosa
só gritos que ninguém escuta
só a pungente mortificação das vestes rasgadas
ofertadas em farrapos
inútil oferenda que só serena o ego altruísta.
Há, neste convencimento de ser deus,
a mortalha da dignificação suprema
como se a generosidade alumiasse
o trajecto decente.
Ai, tomara a deificação ser perene
oxalá não tivesse o travo das consumições
ou fosse uma planície lustrosa
onde medra só a brisa suave
que enxagua os olhos marejados
– pelo desencontro com a tua alma
pela demissão de ti mesmo.
De tanto curares de ser deus
tanto deixaste de ti pendurado nos outros;
tanto
que já nem se afiança
que em ti há um tu para chamar.
Pode a teimosia das divindades cegar-te
pode impedir de ver os cristais tão límpidos
que mostram o imenso deserto que és.
É que não basta
o desprendimento em nome dos outros;
nem esconder o altruísmo na comedida celebração;
ou simular o zénite de ti pelo aluvião
que semeias nos outros.
Enquanto não fores deus para ti mesmo
as traves da generosidade deificada
serão apenas lodaçal que te aprisiona:
ao que queres que os outros sejam
sem que revires os olhos
e cures do teu castelo.
Podes teimar:
mas aposto que lá fundo,
no mais fundo de ti
– onde ainda espreita um laivo de pessoalidade –
te cansaste de ser um deus.
onde passa a languidez da tua generosidade.
Qual Madre Teresa
nascido para ser bondoso
espalhar com a magia dos dedos aquecidos
o altruísmo que deixa exangue.
Os astros o disseram alhures:
divina a condição que se empresta
aos predestinados.
Não para proveito próprio
na senda da monástica forma de vida
desprendimento de si e entrega aos outros,
às causas, às carências que agridem o mundo.
E sim
esta auto-deificação é uma implosão do ser
o esvaziamento das forças
o esvaimento de si.
Querer apascentar o mal dos outros
sem curar das maleitas que se apegam, teimosas.
Piedoso incorrigível
na laceração da carne tão ferida
que sangra as lágrimas interiorizadas.
Detrás de uma fachada luminosa
só gritos que ninguém escuta
só a pungente mortificação das vestes rasgadas
ofertadas em farrapos
inútil oferenda que só serena o ego altruísta.
Há, neste convencimento de ser deus,
a mortalha da dignificação suprema
como se a generosidade alumiasse
o trajecto decente.
Ai, tomara a deificação ser perene
oxalá não tivesse o travo das consumições
ou fosse uma planície lustrosa
onde medra só a brisa suave
que enxagua os olhos marejados
– pelo desencontro com a tua alma
pela demissão de ti mesmo.
De tanto curares de ser deus
tanto deixaste de ti pendurado nos outros;
tanto
que já nem se afiança
que em ti há um tu para chamar.
Pode a teimosia das divindades cegar-te
pode impedir de ver os cristais tão límpidos
que mostram o imenso deserto que és.
É que não basta
o desprendimento em nome dos outros;
nem esconder o altruísmo na comedida celebração;
ou simular o zénite de ti pelo aluvião
que semeias nos outros.
Enquanto não fores deus para ti mesmo
as traves da generosidade deificada
serão apenas lodaçal que te aprisiona:
ao que queres que os outros sejam
sem que revires os olhos
e cures do teu castelo.
Podes teimar:
mas aposto que lá fundo,
no mais fundo de ti
– onde ainda espreita um laivo de pessoalidade –
te cansaste de ser um deus.
1.3.07
Sitiado
As pernas trémulas calcam as folhas húmidas
avançam a medo entre a escuridão
as mãos tacteiam entre os muros frios
do labirinto.
Tropeçava em cadeiras derrubadas;
houvesse uma centelha que fosse
pródiga a alumiar a saída
do labirinto.
Às tantas, sem saber se sonho ou matéria viva,
cambaleava entre os muros lisos
sensação de vogar em círculos
atraiçoado pelo labirinto.
Naquele sítio, todos os instantes são nocturnos
medonhos sussurros que descem sobre o ouvido
e agendam a masmorra que é a ameaça
labiríntica.
À entrada, despojado dos pertences
é nu que a saga prossegue
pisando os vidros partidos invisíveis
nas trevas do labirinto.
Diria que lá fora trovejam gargalhadas insanas
a audiência disforme no entretenimento
dos algozes dos corredores onde vagueia
o prisioneiro do labirinto.
Nas incontáveis encruzilhadas
o prisioneiro entrega-se na imensidão
de uma loucura trepidante
que pulsa nas veias do labirinto.
As lágrimas que verte,
lânguidos esforços das paredes inconfessáveis
do chão tingido com o sangue derramado dos pés cortados
na pujante asfixia do labirinto que se encerra.
A certa altura, o tecto parecia ser mais baixo.
Não era ilusão: o corpo rebaixava-se
contorcia-se em espaços onde mal cabia dobrado
no cavernoso labirinto cortante.
O intrépido silêncio era um punhal doloroso:
só escutava o seu arfar aflitivo
e mais se condoía por ter franqueado
as convidativas portas do labirinto.
Havia apenas uma dúvida diante dos olhos:
quanto tempo levaria o pungente sacrifício,
ou, se acaso pesadelo era,
quanto tardava o balsâmico despertar.
avançam a medo entre a escuridão
as mãos tacteiam entre os muros frios
do labirinto.
Tropeçava em cadeiras derrubadas;
houvesse uma centelha que fosse
pródiga a alumiar a saída
do labirinto.
Às tantas, sem saber se sonho ou matéria viva,
cambaleava entre os muros lisos
sensação de vogar em círculos
atraiçoado pelo labirinto.
Naquele sítio, todos os instantes são nocturnos
medonhos sussurros que descem sobre o ouvido
e agendam a masmorra que é a ameaça
labiríntica.
À entrada, despojado dos pertences
é nu que a saga prossegue
pisando os vidros partidos invisíveis
nas trevas do labirinto.
Diria que lá fora trovejam gargalhadas insanas
a audiência disforme no entretenimento
dos algozes dos corredores onde vagueia
o prisioneiro do labirinto.
Nas incontáveis encruzilhadas
o prisioneiro entrega-se na imensidão
de uma loucura trepidante
que pulsa nas veias do labirinto.
As lágrimas que verte,
lânguidos esforços das paredes inconfessáveis
do chão tingido com o sangue derramado dos pés cortados
na pujante asfixia do labirinto que se encerra.
A certa altura, o tecto parecia ser mais baixo.
Não era ilusão: o corpo rebaixava-se
contorcia-se em espaços onde mal cabia dobrado
no cavernoso labirinto cortante.
O intrépido silêncio era um punhal doloroso:
só escutava o seu arfar aflitivo
e mais se condoía por ter franqueado
as convidativas portas do labirinto.
Havia apenas uma dúvida diante dos olhos:
quanto tempo levaria o pungente sacrifício,
ou, se acaso pesadelo era,
quanto tardava o balsâmico despertar.
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