10.3.07

"I'm tired of being God"

Inquebrantável o espelho
onde passa a languidez da tua generosidade.
Qual Madre Teresa
nascido para ser bondoso
espalhar com a magia dos dedos aquecidos
o altruísmo que deixa exangue.
Os astros o disseram alhures:
divina a condição que se empresta
aos predestinados.
Não para proveito próprio
na senda da monástica forma de vida
desprendimento de si e entrega aos outros,
às causas, às carências que agridem o mundo.

E sim
esta auto-deificação é uma implosão do ser
o esvaziamento das forças
o esvaimento de si.
Querer apascentar o mal dos outros
sem curar das maleitas que se apegam, teimosas.
Piedoso incorrigível
na laceração da carne tão ferida
que sangra as lágrimas interiorizadas.
Detrás de uma fachada luminosa
só gritos que ninguém escuta
só a pungente mortificação das vestes rasgadas
ofertadas em farrapos
inútil oferenda que só serena o ego altruísta.

Há, neste convencimento de ser deus,
a mortalha da dignificação suprema
como se a generosidade alumiasse
o trajecto decente.
Ai, tomara a deificação ser perene
oxalá não tivesse o travo das consumições
ou fosse uma planície lustrosa
onde medra só a brisa suave
que enxagua os olhos marejados
– pelo desencontro com a tua alma
pela demissão de ti mesmo.

De tanto curares de ser deus
tanto deixaste de ti pendurado nos outros;
tanto
que já nem se afiança
que em ti há um tu para chamar.
Pode a teimosia das divindades cegar-te
pode impedir de ver os cristais tão límpidos
que mostram o imenso deserto que és.
É que não basta
o desprendimento em nome dos outros;
nem esconder o altruísmo na comedida celebração;
ou simular o zénite de ti pelo aluvião
que semeias nos outros.
Enquanto não fores deus para ti mesmo
as traves da generosidade deificada
serão apenas lodaçal que te aprisiona:
ao que queres que os outros sejam
sem que revires os olhos
e cures do teu castelo.

Podes teimar:
mas aposto que lá fundo,
no mais fundo de ti
– onde ainda espreita um laivo de pessoalidade –
te cansaste de ser um deus.

Sem comentários: