2.1.08

O poema combustível

Os aplausos ensanguentam as mãos.

Não se cansam

diante da gloriosa expressão das palavras

ecoando

insinuando-se

entranhando-se

onde nem cirurgiões levam bisturis.

Há uma magia das palavras

vomitadas no seu fogo

as palavras-alimento

melodias graúdas que escorrem pelo ouvido

e levitam nas paredes da garganta.

Vêm aquecidas no seu fogo:

são a combustão do espírito

a depuração até das gelificadas armaduras

jamais orgulhosas da sua insensibilidade

- perdida.

As cores admiráveis

consagram os aplausos:

tecido aveludado

onde o poema incendiado repousa,

complacente.

No veludo onde as chamas se aquietam

o poema redobra a sua grandeza

cavalga nas ondas sopradas por um vento vadio

cresce

e mergulha sobre os corpos.

Na combustão audível

desfaz a nostalgia dormente

traz os corpos da sua letargia.

É o poema

combustão dos corpos

a centelha dos músculos apiedados.

E os corpos

entregam-se numa furiosa peregrinação:

batem às portas do pensamento

expelem as lavas das interrogações

incomodam-se com a placidez.

Arremetem sono dentro

e despedem o sossego

- imparáveis na excitação do conhecimento.

E o poema,

intemporal.

O poema dito e lido

legado perene com as cintilantes âncoras

do navio museu sempre ancorado no cais.

Intemporal

como o feixe de luz,

irradiação das chamas que latejam

a armadura onde se recolhem as estrofes do poema.

O poema lancinante,

poema matriz:

nas palavras entoadas

tudo seria ilusão

(a ilusão, ao menos)

dos fragmentos da bondade indescritível.

As pessoas seriam felizes

os rostos irradiando uma alvura leve

as mãos sem as suas rugas

os corpos alindados

despidos de maleitas.

Só haveria tempo e lugar

para esboços da plenitude interior;

a sua antítese

logo fulminada por um raio cósmico

que chegaria,

alado,

dizendo que os felizes estavam garantidos.

O poema

a combustão de toda esta frenética bondade.

Pelo poema

tudo tingido

com as cores que embelezam os dias

sempre uma luz clara

o farol arquétipo.

Nos vastos campos habitados pelo poema

até a tristeza seria vestida

com as cores da beleza.

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