19.12.13

Natureza viva

As pedras cultivam suas flores
vertidas em águas sem destino
numa aurora quente
convocada pelas pétalas jocosas.
O céu afivela-se pela cintilação
e, todavia,
a chuva aconchega-se nas árvores.
Já os pássaros,
desafiando a prolixa natureza
e suas lições imutáveis,
entregam a penugem às gotas que caem
e sorriem enquanto sussurram cantorias.
A plateia,
encantada e anestesiada,
incapaz de dizer adeus ao boquiaberto,
aplaude em silêncio.
No marasmo imperador
exultam as imperatrizes exibições
de uma natureza contumaz.

18.12.13

Lápis azul


Já as alvíssaras foram ao tacho

pelas penadas almas

que assombram as penitências dolosas.

Encomendada a fatiota janota,

que velório ninguém espera,

dize lá, ó gente madraça,

se sois loisas ou larachas carnais,

ou bichos alcoviteiros

tomados pelo vulgar desdém.

À noitinha,

quando as luzes se apagam da memória,

não vos acometam quiméricos querubins;

não vos sobressaltem as tágides pálidas

nas suas preces iliteradas

e a língua de trapos dos que muito falam

sem nada dizerem.

Não vos deitais no mirífico sossego:

que as teias de aranha por dentro do pensamento

não agrilhoem o pesar.

11.12.13

Não aconselhável a maiores de dezoito anos

Os gritos ululantes na selva infantil
desenham a inocência nas arcadas do tempo.
Os petizes olham-se, ingénuos,
vociferam contra as prosápias adultas:
mandam-nos estudar;
mandam-nos comportar-se a preceito;
mandam-nos comer a sopa;
mandam-nos ser obedientes;
mandam-nos não quererem ser adultos
 - que adulta é uma idade tristonha.
Pegam nos livros:
atiram-nos para a lareira,
escondidos debaixo da lenha
para que ninguém os salve a tempo.
Pegam nos entediantes filmes intelectuais,
os que as subtraem à televisão pueril,
são mandados janela fora em voos aerodinâmicos.
Pegam nas plantas dentro das jarras
para as alimentarem com lixívia.
Vão à casa de banho,
não para satisfação de fisiológicas necessidades,
mas para entupirem a sanita com um farto bolo
de papel higiénico.
À noitinha,
quando as querem já mortiças,
preparadas para o sono que as descansa,
espreitam no quarto onde dois adultos gemem,
só para os ver aflitos quando vêm que os estão a ver.
As excrescências nasais
deixam-nas penduradas debaixo da cama.
Não gostam que a água se pegue ao corpo,
pelo menos com a frequência a que chamam higiene,
e mentem (se preciso for) para ocultar o banho por tomar.
E se lhes querem cortar as unhas
(porque as dizem encardidas)
protestam com gritos que os fazem salivar de ira
e desistir da função.
São soberanas de elas mesmas,
as crianças,
e não querem os graúdos a dizer
o que devem ser
nem o que devem fazer
ou o que não podem asnear.
São arautos da felicidade que os crescidos ignoram.
Por isso as invejam.
E por isso as massacram
com códigos de comportamento
com furiosas demandas
com proibições a eito.
Elas é que são o exemplo.
Da maneira como são
sem capitular
perante os freios dos que as conceberam.

3.12.13

Vociferar

Verbo viçoso,
            vernáculo vistoso.
Vistas volúveis,
            vozes variáveis.  
Voracidade vocal,
            voz vivencial.
Volúpia venal:
            vanguarda vital.