25.6.15

A ira das vinhas

Aferroa o garfo pontiagudo
como se quisesses prostrar uma abelha louca
e traz ao de cima os olhos límpidos.
Mostra os dedos brancos
o rosto desembaciado e loquaz
os dizeres probos em palavras singelas.
Protesta contra os ladrões de sonhos
contra os melífluos atores que se entronizam
num altar vazio.
Desembainha a espada que estava de reserva
assesta os golpes que tiverem carestia
sangra os incapazes de serem íntegros.
Não te deixes embrulhar nas vestes infectas
não digas as palavras rombas
não rias quando te apetecem carantonhas
não faças o que entendes por contrafação.
Diz que não.
Não.
As vezes que forem precisas.
Porque, às vezes,
o não é o êmbolo da construção.
Não te empenhes nas vicissitudes que não são tuas
não sejas peão em mãos alheias
tolo peão num fartote de poder baço.
Destrava as palavras que vêm à tona
com o fermento das uvas fortes.
Não balbucies protestos vãos;
berra-os nas fronteiras da surdez
até que dos outros sobre medo.
Deixa-os serem contumazes
inquilinos de casas sem janelas
animais acossados pela proverbial imodéstia.
Arranja as cordas adelgaçadas,
o cadafalso onde marcam encontro os felisteus.
Atira-os contra a parede
vomita-lhes a ira sem freio,
a ira que eles desataram
e em que foste vítima sem vontade.
Açambarca as artes amargas que adestram algemas
e monta nas suas bocas um corcel que os cale.
Depois
quando o sono vier derrotar a insónia
repousa no bálsamo do teu leito,
orgulhoso pela retirada de cena
dos asnos que não passam de tirocínio de gente.
O sono aplaca a ira.
Já não precisas de mergulhar nas vinhas
de onde buscavas os rudimentos da ira.
Traz os bagos doces para o teu regaço
adultera a imaterial acidez,
fruto dos outros
num fruto que de ti faça temperado rei.
Num reinado
em que sejas suserano e súbdito
sem as teias engorduradas
com o aval de destemperadas reses.
Para seres o sol que vem de dentro de ti
deixando na opacidade as vetustas alarvidades
que medram no exterior.
A ira
não tem serventia.

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