1.7.15

As mãos só

As mãos atadas.
Algemas geladas que descem as mangas
sobre a noite.
O pensamento revolve-se
como se de ondas altas num mar agigantado
se tratasse.
Contorcido,
o pensamento,
parecia embrulhado num enigma,
retorcido.
A noite promete ser uma longa insónia.
A noite promete tempo talvez gasto em vão.

Pelo meio
a imagem da lua a caminho do ocaso
é intensa candeia que destrava o enigma.
O luar enfeitiçado despejou
uma árvore radiosa sobre o olhar embotado.
Uma árvore cheia de flores
constelação de odores quiméricos
como se uma barragem se hasteasse
entre o mar enraivecido e o corpo à mercê.

O corpo esbracejou
exalou as fantasias reprimidas
vociferou tudo o que havia engavetado
trinou as cordas vocais no silêncio da noite
e dedilhou as guitarras baças que ganharam brilho;
o corpo frenético bebeu o luar
e tornou-se majestoso imperador de todos os lugares
centrípeta peça de um equinócio novo
as rodas do mundo
– do mundo que calhava em interesse:
o mundo a seus pés.

Nesse instante
as mãos soltaram-se das algemas.
Desceram à terra
e trouxeram um pedaço dela ao cheiro.
Com a força tentacular do corpo
despedaçaram as algemas que pareciam de fino cristal.
As mãos depois vieram ao rosto limpar o suor
sentir o suor
– que era coisa que já levava saudades
de tanto o tempo sitiado nas algemas.
As árvores tinham todas a sua marca.
A lua tornara-se perene
até quando a luz diurna se fazia ao altar.
O pensamento
agora desembainhado do coldre
fruía desimpedido;
era como se viesse na proa de um navio
e o navio mandasse nos oceanos todos.

As velas desfraldadas tinham sede
da brisa fresca.
Tornavam-se acetinados estandartes
impregnados de pérolas e ouro:
a macieza do pensamento medrava
a distinta figura ímpar
enquanto as aves marinhas ensaiavam coreografias
sobre os respingos das suaves ondas do mar
e a figura imperial contemplava o firmamento
– imperador das águas daqui até ao firmamento
e o que houvesse por depois.

Já não havia lugares medonhos.
Já não havia proibidas palavras.
Nem esteios que parecessem masmorras eternas.
À boleia dos alísios
as mãos o mais separadas que pudessem
erguidas ao alto:
mostrando aos céus
já não terem algemas por freio.

À volta
apenas mar
um mar imenso e fresco
a fazer apetecer um cais algures.

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