Do canto da sala
um caixote fechado em forma de enigma;
os dedos escorregam pela mesa
procuram saciar a demanda
tirar o enigma da sua enigmática
condição.
Mas é preciso um ardil.
O dono daqueles dedos não quer ser
intruso
abespinha-se só de se saber
consumido pela curiosidade.
Pega num papel
remexe a gaveta
para encontrar o paradeiro de um lápis.
Muda para alter ego:
alguém que por dentro dele
venha para o exterior e seja seu émulo
sem ser a mesma pessoa.
Quando as palavras
começam a ser dedilhadas no papel
amarrotado
é o escritor fantasma que as desembainha.
Proclama as improbabilidades
deita para fora uma ira reprimida
e abana o chão com o vernáculo todo
–
assim como assim,
não é ele,
é outro que se apoderou dele.
As mãos já não trémulas
desatam os nós do caixote enigmático.
Remexem o seu interior:
bugigangas arquivadas
papéis amarelecidos
ferramentas enferrujadas
uma garrafa de brandy recesso.
E um bilhete em linguagem cifrada
tornando mais denso o enigma.
O escritor fantasma
esbarrou na ininteligibilidade;
antes não tivesse sido empossado
esbirro da pessoa contumaz.
Agora havia duas dores:
nem o enigma deixara de o ser
e o recurso ao escritor fantasma
dobrara as aflições interiores.
Oxalá pudesse sepultar a curiosidade a tempo.
Antes não tivesse sido madraço da
hipocrisia
e não tivesse encomendado a função
ao escritor fantasma.
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