9.9.17

Perímetro

O flácido rastilho,
incumbência:
do enredo sobram estrelas
a provecta caução demove
intempéries. 
Por muitas que sejam as voltas
o diamante povoa as flores
e as palavras não deixam mentir:
no jogo atiçado,
ilegais
os insaciáveis de peito aberto
corrompendo os sentidos
(caso seja preciso).
Não se atropelem os malmequeres
e não tem cabimento
a combustão dos elementos miríficos;
no embargo da luz timorata
têm cais trovões implícitos,
o corrimão gasto mas garantia
e nada se afigura medo
por carestia do peito desembargado,
titulado na formatura
do verbo indomável. 

8.9.17

#304

“Para falar verdade”,
anuncia o homem loquaz
e eu vejo um corsário da mentira. 

Triângulo das Bermudas

1
A matéria volúvel
sobre as cinzas trémulas,
talvez temerárias
ou apenas astutas,
em tentacular espera
pelo golpe de misericórdia.

2
Livros por ler
e outros que não serão lidos
e outros, ainda,
de que se não terá notícia:
trevos de quatro folhas
em jardins efémeros
em pura manifestação de uma quimera.

3
Personagens que se encarnam
mutuamente
sem saber
se são atores
ou apenas peritos em simulações,
no esvaziamento de si mesmas
(contrariando a lógica estulta
da riqueza envidraçada
pela proliferação de eus).

#303

De mar em mar 
as velas embainhadas
e o olhar cardeal,
desembaciado. 

7.9.17

Ardósia

Contra os prognósticos
os druidas arcanos falaram,
falaram alto. 
À praça pública
profetizaram sóis sem casas falsas
na rival colheita dos campos 
em sua própria fertilidade mandatados. 
A proclamação
soou a janela franqueada
por onde apenas ventos a preceito
teriam caução. 
Os druidas
porventura
exangues com os achaques repetidos
e o estado geral de bulimia
saíram de seu torpor
e cantaram este fado lavado
em ternas modalidades do porvir. 
Do sopé a que se elevaram
tinham a turba sob o olhar,
o promontório lugar de exceção
para um diagnóstico lapidar. 
A turba não desatou em lacunar excitação. 
Os druidas já não eram respeitados. 
Só eles não sabiam. 

#302

Para que preciso de paraquedas
se não estou à espera
de cair?

#301

Uma varanda
para nos falarmos
o verbo fecundo, artesão.

6.9.17

Compensação

Descolonizei a terra queimada
dos próceres do basalto sorriso,
sem inventário
nem público concurso. 
Não tinha parâmetros 
nem rosas-do-vento
que aninhassem o azedo sangue
dos miríficos panteístas dos rios exangues. 

Porfiei. 

Confiava que o avesso da demanda
(mau grado a baça parede por diante)
não seria madrasto. 
Enfarpelei chapéu a condizer
selando a solene empreitada. 

Confirmo:
fui ao acaso
errático, até,
por elevada probabilidade de malogro. 
Dizem os populares, 
é o melhor critério:
na casa da partida
já se estima a perda pela certa. 
O que vier em cima
é proveito
(e, por inesperado,
mais opíparo se afigura). 

#300

Ao entardecer
bandeiras sem usura
imóveis em mastros apodrecidos. 

5.9.17

#299

Do meu rosto
o sal dourado
sacrilégio sem mosto
o mar abraçado.

Agora

Agora
já é nunca.
Mas agora
não é tarde.
Os nomes usados
veredas inteiras com árvores nuas
o outonal sortilégio.
Agora
é intemporal
quando for.
Quando vier ao viés da vontade.
Paredes nuas com árvores inteiras
falam por mim.
Agora
foi inventado para as ouvir.

4.9.17

Bucólico

No vale fundo
onde a vegetação se entretece
com as serenas, nossas palavras
desdenhamos o vórtice do futuro
à medida que somos feitores do tempo,
à medida que desenhamos alamedas dúcteis.

Os nossos braços
armados em ramagem das árvores
são o regaço dos pássaros cansados
da sombra precisa na estiagem demorada
fonte infinita das lágrimas algébricas.
Sem o horizonte por limite
damos às rodas vivas da matéria
a claridade quimérica
um simples apóstrofe sobre vírgulas meãs
sem o pesar
a arquear sobre as lombadas duras dos livros
como se fossem vítimas dos piores instintos
inúteis congeminações de autores desassisados.

Os pássaros ciciam a preceito.
Testemunham o madrigálico quadro
que levita com o olhar
e nós somos as entidades máximas
juízes sem lei
ordenantes sem ordenança
pois no fruto das nossas mãos
há madressilvas ruivas
tingindo o céu noturno com a violeta luz.

Desacreditamos os oxalás
que morrem na boca das pessoas.

#298

Remendo ou remédio,
ou apenas
(e humildemente)
redenção.

#297

Trazes à lua
o veludo macio
do seu chão.

3.9.17

Heróis sem casta

Sinos a repicar
hossanas e tudo mais
aplausos em continência:
o apoderado, 
o cortador das touradas,
emparelha genuflexão recidiva
o meneio marialva
gingão,
afocinhando aos céus o garbo
que tem cautela de prémio. 
O apoderado
depois das preces à santa da devoção
desembainha a fúria dos fracos
a incultura
que se apega ao pretexto da cultura
e esbraceja o pundonor atlético
na luta desigual. 
Afinal
ser valente desta cepa 
é coisa ao alcance do comum dos mortais:
quando a presa é fraca
e rabeia na adicional anestesia 
que a enfraquece mais ainda,
o trono dos heróis fica vago. 

2.9.17

#296

Na maré viva
transbordo do alto de mim
matéria-prima sem endosso.

1.9.17

Holiday spam 

Mr. Evans
takes the tale to warm, quiet seawaters
down under
(the poolside leaves he never, nonetheless)
where flimsy, free booze
awaits at the edge of the pool 
crafted
with noisy, immensely red-tanned bodies
in chasm, sterile waters
with dodgy parcels of clown apparels
while plentiful unsatisfied women
starve Latinos
with their unfinished desire. 

Mr. Evans
crafts a pyramid at lunchtime
waving relief as foodstuff survived
to archeologic hunger
while spits unwanted spoils 
carving irascible anger
his own dearest must bear
for company.

Mr. Evans
points scrubs sniffing out
his daunting shoe apparel 
and,
if necessary,
jostles fingers on a public show 
of simultaneously utterly hygiene 
and anaesthetics. 

Mr. Evans
praises his goddess
the holy, icy juice of wheat
bringing him to nirvana 
to a democratically-deserved heaven 
of filthy ear-say
noisy, relentless laugh
where obfuscated teeth should've place to mourn
where he blatantly sings
España te quiero
España my amor
putting an end to the performance
with loathing sayings about Latinos
(maybe, just maybe
chocking envy
about something that sticks down
on his own). 

Mr. Evans
locks in a heaven of his own
or should we dare to say –
a haven of recalcitrant existence 
fading away unstoppable shadows 
that obliterate the other fifty-one weeks 
the remainder equator of silent,
almost sleepless,
fading out
of Mr. Evans. 

31.8.17

Etecetera

O feiticeiro guloso
embarriga os alarves como ele
(indisposto com a concorrência).
Besunta as mãos
no lodo retirado ao fundo do poço:
não quer vestígios de incriminação
nem ser destronado
do púlpito onde pavoneia
garbo reconhecido.
Um dia
tirou o dia de descanso
e apalavrou a distração.
Um acaso
no regaço de aleatória personagem
dando cunha à desbragada curiosidade
mostrou ao mundo
o armário de barbáries.
E o feiticeiro ficou prostrado
na profunda, irremediável
decadência.

28.8.17

#295

Lost and found:
if lost, must fund
whereas
fond are the affections
to the lost. 

27.8.17

Estação de serviço

Desfeitos os temores
na margem das túnicas aristocráticas
tem-se balança versada
como mediadora filial. 
Os átomos todos juntos
varridos nas sobras da maré 
percorrem os campos vazios,
sua sementeira prometida,
numa medida vindoura. 
O beijo contumaz,
Rarefeito,
na liquidez dos templos esquecidos
desmatado no sopé alindado
com as nuvens esgaçadas 
no mosto da alvorada inesquecível. 
Haja sempre âncora por lançar
e cais espreitado nos interstícios da viagem;
os tempos de sobra
autênticas praias sem remoço,
onde não há lápides
nem almas algozes,
são o crédito em falta
no altar onde tem franquia
o repouso. 

26.8.17

#294

O fundo penhorado
na dilaceração do lamento,
matéria vagamente incandescente.

25.8.17

E quem se importa com isso?

A rosa manchada
com o sangue dos bárbaros
– e quem se importa com isso?

O lugar vazio
com a facúndia dos estultos
– e quem se importa com isso?

Os braços cruzados
na demanda de empreitadas
– e quem se importa com isso?

Os olhos
suados em lágrimas
– e quem se importa com isso?

O mendigo apessoado
e a rapariga da loja sem curadoria
– e quem se importa com isso?

Os documentos esquecidos
e as palavras impensadas
– e quem se importa com isso?

O hoje sem suspensórios
e o amanhã cicatrizado
– e quem se importa com isso?

As ideias tresloucadas
e a ausência de critério
– e quem se importa com isso?

Um verso escorreito
emparedado em convulsões interiores
– e quem se importa com isso?

A tinta lavada das paredes
e as paredes à espera de linhagem
– e quem se importa com isso?

A mão trémula
na tergiversação dos indomáveis
– e quem se importa com isso?

O desmatar do inenarrável
e as virgens púdicas
– e quem se importa com isso?

A integridade
e a totalidade do mundo
– e quem se importa com isso?

24.8.17

Esconderijo

O esconderijo
sem janela por aceitar.
Ar quente
e peito transido
odor a angústia.
Deitar por terra
a capitulação covarde,
o paroxismo do desejo.

E depois
com os nós contados
as redes enredadas em nós outros
o céu pesado acotovelando-se sobre o dorso,
o estrangulado pretérito
no parapeito das memórias.

Vendem-se inverdades
no logradouro dos pretextos.
Aceitam-se os endossos
e a miríade de daninhas ervas
embota a pele arrevesada.

Não
não quero o abismo sem alma
intimações ermas
rios que atravessam pontes partidas
a combustão das exprobrações.
Não quero ser dador
de vocábulos irados
de intempéries à flor da pele
da paciência que se esgota em impaciência.

Vejo ao longe
com o olhar deitado no retrovisor
o entardecer bucólico.

Deito a perder os montes e vales
entre mim e esse lugar
o bucólico ninho que esconde o retiro.
Esconderijo com chave a preceito
preparada para destravar os nós a eito
janela quimérica
à espera.