No arco da velha
o mal é do arco
ou da velha?
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
A matilha
não obediente
suprime as normativas:
são os seus próprios anarquistas
e vítimas prediletas.
A carne não sangra;
canta
com os dentes entumecidos
e a gola da alma de atalaia.
O corpo que vocifera
rima com o idioma rouco
e é como se todos,
em uníssono,
pudéssemos morrer à nossa vontade.
[Idles, Vodafone Paredes de Coura, 17-18 de agosto de 2022]
Com a vossa licença,
que a manhã se faz tarde
e os provérbios estão à míngua:
deito o olhar ao rio
a ver se me devolve o sangue.
Se fossemos salteadores
e sonhássemos com montanhas
em vez de bandeiras
faríamos de poemas avulsos
o hino com mastro a propósito.
O que faço
deste dolo
provérbio gasto
ou apenas
intenção cimentada no mural
cisão entre o eu e o acaso?
O que faço
com este dolo
matéria sem linhagem
costuras acima da medida
a manga gasta no pelourinho
sem sentenças por perto
sem regras a servirem de gramática?
O que faço
metido
neste dolo?
A fava
deve ter as costas largas
ou é o embaixador vegetal
do patinho feio.
Se estes marços não acabam pela tarde
protesto a delação dos espíritos amordaçados
contra a especiosa safra dos clarividentes.
Ondas musculadas não amedrontam as rochas
nem sob ameaça pendida sobre a jugular
pois o material previdente assenta em carvão.
Atirem os detonadores ao Outono circunstancial
e depois adormeçam numa cama versátil
que das miragens habituais já não há paradeiro.
Chamavam-lhe
um figo.
E quem estabeleceu
que o figo
precede os outros
na hierarquia dos frutos?
Ninguém vê
a venda sobre os olhos
e não é por acaso
pois a venda veda o olhar
impedido de ver
o que está impedido de ver.
A tautologia do avesso
não contraria
a litania dos maus espíritos.
Eles confessam a fraqueza
enquanto esmiolam o raciocínio
reduzido
a um quinhão de pouco mais que nada.
A venda aplicada sobre os olhos,
o ultraje máximo
a depreciação dos espíritos que
(dir-se-ia)
se fomentam livres:
a venda sobre os olhos
é voluntária,
por inação de quem desiste de o ser
ou por cedência aos mastins
incomodados se os espíritos livres
prosperarem.
Confirmado está
que o sangue salazarento
não ficou sepultado
quando os cravos deram patrocínio
à liberdade.
Todos lamentam
a pedra no sapato
mas ninguém protesta
contra o sapato na pedra.
Uma fatia da lua:
a chave urdida na sementeira
no bolbo da Primavera
e os tribunos extáticos
atribuem aos deuses as causas órfãs.
Uma fatia da lua servida no oráculo:
os destemidos marinheiros trazem os mares
eles que passaram por tantas marés
e que ciciam o sono perdido
antes que fossem serventia à mesa
de criaturas acusadas de naufrágio.
O que seria dos mapas
sem os marinheiros intrépidos
ou os exegetas que nos leram
a História?
Na pena iconoclasta dos letrados
as talhadas de lua são como aneurismas
pestes que vestem as páginas dos vates
contra os determinismos selados
em matéria irremediável.
As luas de antanho
testemunharam o ocorrido
mas ninguém lhes pergunta
pelo determinismo dos peritos.
Todas as tardes são pusilânimes
quando os aromas se escondem
nos verbos covardes
nos rostos seráficos que,
étimos de fingimento,
corroem a mais ínfima corrosão
deixando um telúrico vazio por dentro
no raiar do dia assim desapetecido.
Não é o vulgar irradiar do sol
que disfarça as intempéries interiores:
o basalto cobre a pele
e as mãos
tornam-se esquimós com medo do Verão.
Se ao menos
a tirania saísse do dicionário
talvez houvesse um arranjo
para as entorses do mundo.
Os olhos a carvão
arrastam a vírgula
na página emaciada.
Contam as sílabas
no úbere do tempo
a tempo de não serem tardios.
As clepsidras conspiram
braços a desmedo no nadar
o suor lavado no mar.
As tardes porfiam
um cessar repetitivo
em versos sentados no luar.
As comendas não se revindicam
lugares vazios no idioma
se os silêncios disserem mais.
Nada dizemos aos anátemas
às ermas marés
no regozijo dos motes entronizados.
No distante lugar
onde nada se faz dicionário
os rostos contam tudo o que é preciso.
O logos periférico
larápio da santidade,
todavia visceral,
do sangue bolçado
contra
os anátemas de tanta linhagem.
Logo se confessa o esconjurado
em degraus estilhaçados
por manifesta indisposição ao arnês
no fundo
a liberdade sem código de conduta.
Os almanaques passeiam nas mãos serenas
e deixam lacradas sentenças;
as mesmas que habilitam dissidências
na pureza do pensamento sem freios.
Dessas harpas subliminares
levantam-se ecos que desenham as estrofes
em vez dos códigos de conduta:
pois deles só tem carestia
os que à partida sabem
não serem credores de confiança.
No estirador sem esconderijos
somos a pele que se mostra
a franqueza possível
de um nome sem rasuras.