Dos corsários
nem a fazenda
se aproveita.
[Trova dos conformistas]
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Serve de afeição
a cordilheira entrançada
os folhos revirados como se fossem
as entranhas viradas do avesso
que é onde se atesta
a têmpera de que versam as entrelinhas.
No bojo que desalinha do modo
a cordilheira contém
as rugas da palma da mão
fica à mercê desta cartografia
desligada de tudo
frágil
tão frágil que nem parece
o sinaleiro do dicionário sem autoria.
À vista desarmada
limitada pela miopia da distância
dir-se-ia da cordilheira
ser uma cortina de ilusões
o logradouro
onde se entretêm os falsos letrados.
Não é dessas cordilheiras
que se compõe a minha carne combustível:
os veios que rompem como arestas
balbuciam as dores excruciantes
como
as que mortificam
misantropos voluntários.
Os maus são uma minoria
– era da lavra de um espelho
onde se abastavam as desmedidas
e ninguém rimava com ilusão.
Os maus são a minoria
– sempre que os ventos
mugiam os tetos plúmbeos
e só os desatentos fugiam do Éden.
Os maus, minoria
– que uma centelha refulgente
em seu ocaso improvável
devolve os férteis frutos às mãos
e os desvalidos perdem a linhagem.
Os maus são uma minoria
– da tença de quem esgota a inverdade
e dela lança a sementeira
que estilhaça lugares-comuns delapidados
para um fogo de artifício ao menos extasiante.
A lagoa
só pode ser um lago pequeno
se o feminino for o santuário
da pequenez.
Se a lagoa
é um lago pequeno
os farroupilhas da nova língua
andam distraídos.
Se a voz sobe à parada
e desfila
como se entoasse
botas cardadas
a vil menção, desonrosa,
de todo o arsenal promitente
dos Homens saber-se-ia a sepultura
onde em estado terminal
se confundem com o selo de garantia
da sua grandeza.
Mas a voz é eunuca
partidária das fragilidades escondidas
um hino lancinante
ao desespero mascarado de afoiteza.
Nos teatros que não interessam
passeiam avinagradas falas
embotadas pelas balas dilacerantes
devolvidas
como vingança inadiável
sobre os beligerantes sem máscara.
Há lágrimas
que não são prantos.
Derramadas pelo céu
são mecenas do outono
(a preferida estação).
Se o primeiro milho é para os pardais
para quem será o segundo
(e o terceiro e o quarto e o quinto e)?
Desde o lugar onde estou
dou à dúvida o benefício metódico.
Dos cultores das certezas afiveladas,
pederastas dos des-saber,
fujo como se uma dissidência matriz
ditasse o sentido único
(e entro em contramão,
concedo,
por negação do metódico benefício da dúvida):
dos lugares-tenentes de tão ousada
ausência de dúvidas,
deles que já têm respostas no coldre
antes de haver tempo para o lugar das perguntas,
quero saber ser meu paradeiro
um antípoda lugar.
Dos empobrecidos espíritos,
macilentas imagens que se autorreproduzem
ao sentirem a sua proclamação
no espelho em que admiram,
quero ser antítese:
deste ensimesmar todavia autista,
em fuga dos predicados do muito mundo lá fora
tão maior do que a sua pequenez,
espere-se apenas
colheita sofrível.
Uma estrela cadente
não é uma estrela decadente;
uma estrela decadente
pode ser uma estrela cadente.
O que se joga depois,
as armas deitadas na vertical
dando estuque às paredes estilhaçadas,
e todas as luzes apontadas
ao luar seráfico que se agiganta contra o dia.
O que se joga depois:
as peças sublevadas
contra o despedaçado anfiteatro
por onde passam as artérias decadentes
o sangue vagaroso
as estrofes mundanas que se seguem
ao silêncio diligente.
Cortam-se a eito as arestas que doem
e fica o vazio
um imenso lugar à espera de paradeiro
à espera que o colonizem.
Não serei eu
o agente escolhido
que a minha vontade é indisponível
e da noite levo os cestos vazios
para depois neles juntar todas as mãos idas
e chamar ao medo os nomes mais feios.
Deixo a espada hasteada
para destroçar os peões,
a quem chamo mastins.
O que se joga depois
é só outro jogo à espera de vez.
As páginas
não são diferentes
de outrora,
contra as esperanças fermentadas
no melhor mel.
Feita a finta ao finório
faltava furtar ao farsante
o fruto fruste em fábula final.
Falei ao fiável
fugindo da frustração fiel
no fogo fermentado no facho fecundo.
Não é ao furibundo,
o furtivo francês em força fatal,
que a festa se afidalga:
o forte fundiu-se na fervura tão fútil
e a farda enfastiou-se no fácil farejo.
As portas duras
tiram a alfândega da letargia.
Dizem:
há fronteiras
outra vez
onde já antes tiveram praça.
Ao menos
sabemos
que o sangue não obedece
aos impedimentos dos burocratas
das almas derrotadas pelo nanismo
dos que metem baias nas pessoas
só porque têm diferentes falas
e culturas e costumes
e tornam essas baias em metáforas
de balas.
Quem inventou as fronteiras
devia ser condenado ao olvido
e rasgadas seriam
as páginas a eles dedicadas
na enciclopédia dos saberes.
Notas do dia:
a nortada
tempera o Outono
ainda madraço;
contra os impropérios
e outras miopias mentais
as bocas
todas as bocas
– sem exceção –
não podem
não devem
ser caladas
ou temos o dever de arcar
com não solicitados tutores
que apascentam a moral
que não lhes diz respeito
(a que a cada um pertence)?
a volumetria da acefalia
precisava de ir a termas
só para tentar uma cura;
Berlusconi foi retirado
do cemitério;
houve um rapaz
perdido no meio
de uma roda de bicicleta
furada:
jurou
como se fosse preciso jurar
que fora muito diligente
e jurou ainda
que não sabia como acontecera
a avaria
– e eu lembrei-me do “Avarias”
a maratona minimal repetitiva;
para honrar a rotina
(e a monotonia acrisolada)
o comentador-geral do reino
comentou
sobre variegadas pendências;
ao menos sei
que outubro vem depois de setembro
sem ao menos pressentir
nas sílabas de outubro
se este palco contínuo
risivelmente contínuo
se encerra na decadência do tempo.
A palavra de passe
do dia
é
remediar.
Não percebo
por que ainda ninguém inventou
gurus de autoajuda
para ensinar a sair de escadas rolantes.
Longa se torna
a estrada
no trono largo
em que tem estrado.
Neste estado letargo
tarda o lastro
e nas tornas se estuda
a litania estrénua.
Torna longa
a estrada
e larga no estirador
a trova que incendeia
o estridente lugar.
Sete
são as vidas
de um gato.
Ainda está por provar
o exercício cabalístico.