O acento
toma assento
na tónica
que não é água.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
Os espanhóis
precisam de quem lhes faça
desenhos
no pecúlio da gramática;
de outro modo
não teriam
pontos de exclamação
e pontos de interrogação
a prefaciar as frases.
Afinal
o elefante esteve
este tempo todo
no jardim zoológico.
Injustas foram as injunções
sobre o seu parco estatuto diplomático
em metáfora que mexia
com porcelanas de fino calibre
e salões onde solenes salamaleques
decorriam a preceito
– os senhores
pressurosamente
desfazendo-se em cortesias hipócritas
e as senhoras
contrafeitas
reprimindo fantasias nas ameias da mente.
Ao elefante
vítima de injustificada injustiça
devia ser reconhecido o direito de reparação
que hoje quadra tanto com os modismos
que às vítimas de outrora
assiste a reposição da justiça a seu favor
para que possam descansar
no sossego da consciência dos outros.
O mundo inteiro
(concessão ao rigor:
o mundo quase inteiro
que não se impetra o consenso forçado
tão próprio de um centralismo democrático
de má memória)
devia saldar uma interrogação:
como foi possível
passar tanto tempo agrilhoado
à metáfora do elefante na loja de porcelanas
se o elefante
tão paquidérmica criatura
nem sequer cabia na loja?
Ninguém
dera conta
que o elefante
não tinha saído do jardim zoológico.
É o superlativo embate
na onda que se agiganta
desde o magma lancinante:
nada se oferece em vão
e os mármores sublimam
uma opulência que é disfarce.
Nas mangas da incerteza
gravitam as constelações sem freio
e os pés que sentem a falta de chão
não se desordenam
não encaixam no caos aparente.
Deixem-nos à sua sorte
que eles
sabem procurá-la.
Sexto sentido:
as covas da estrada
desamortecem os contratempos
em que se prevê o tempo por andar.
Vão as janelas, os contemporâneos:
assustam as nuvens malvadas
que fazem coro com a tempestade,
sabem que forte é a sua têmpera
quando porfiam contra o mar levantado.
O corte válido
é aquele que resgata os sentidos
que nunca chegam a ser velhos.
Se o fuso horário não enganar
e o rio arrematar a nostalgia dos forasteiros
das barcas trôpegas desembarca
uma gesta de virtuosos,
aqueles que trazem no bolso
resposta afivelada para qualquer pergunta.
O miradouro tira as teimas:
no lugarejo conhecido como mentira
desaprovam-se todas as palavras.
Mal se desencanta um lugar assim
que toma as dúvidas por mentiras
e isenta de culpa as mentiras que o são,
legítimas.
Do sol
até ao sul
do sono sanado
em vez do sal segado.
O sabre
sobre o santuário
sinaliza o sábio
servido de sentinela.
O sal servido
singra o sono sagaz
que no Sul
se sagra no solstício.
Ninguém desiste da luz diurna
enquanto pelo crepúsculo não for vencido.
Jogam-se as peças todas
no tabuleiro onde se atravessam
as possibilidades infinitas.
O conhecimento não chega à fala
com muitas delas.
O periscópio lança-se sobre a âncora distante
o despojamento titula a ousadia.
Os braços desembaraçados
nivelam-se pela estatura do Olimpo.
Num momento
as peças espalhadas pelo chão
disfarçam o inanimado:
querem que todos saibam
que são uma possibilidade
que se joga na aritmética das possibilidades
uma equação emancipada da órbita do criador
os números em vertiginosa roda-viva,
um deles à espera de lugar
na lotaria incandescente que afogueia o dia.
No clandestino amplexo das possibilidades
uma sai do avesso da coorte
e contraria a maré a preceito.
Antes que,
do antebraço das possibilidades,
muitas sejam extintas
e o mapa delas se reduza a um ermo.
Meia-desfeita
a veia regida pelo lenticular céu
impõe-se no cesto impar
onde se afeiçoam
entre desiguais
as fazendas que escondem a pele.
É por desfeita e meia
que as palavras murais se inventariam
antes que o ocaso se faça império
e a memória estiole na varanda servil.
É por esta desfeita
que não se abraça a angústia:
ao sangue apetece ser a lava ingente
o salto sem lanço que atira
por dentro do arnês
o remédio encorpado
contra o músculo forte que desce a serrania.
E assim
meio desfeito
entre os estilhaços dos derrotados
os braços assentam na litania avençada
antes que o tempo ultrapasse a viagem
em contramão.
No corte a eito
o excesso
o caudal que transborda
sem aceitar a margem como limite
o inadiável sufrágio da palavra sem algemas
a boca faminta das fomes sem nome
a convocatória do vulcão sem represas
num desbarato que se move
à velocidade
sem medida.
No corte a eito
onde espiga
o deitar tudo a perder.
Muito se teoriza
sobre a “bomba suja”
mas as únicas bombas limpas
que conheço
são as bombas de água.
O musgo
dava uma ideia
do Outono.
Do mesmo modo,
os cogumelos que medravam
livres
nos baldios à mercê
do sortilégio outonal.
Desta vez,
as estações
não estavam do avesso.
As pessoas
paradoxalmente
andavam tristonhas
refogadas em lume brando
pela chuva instalada há dias consecutivos
e a humidade bafa que emprestava
um ameno quase exótico
aos dias arrastados.
As pessoas
desprezam o bucolismo do Outono.
Não apreciam
a metamorfose das folhas das árvores
escrevendo o seu próprio óbito
na decadência selada pelo acobreado mágico.
Se pudessem
os desavindos com o Outono
saltavam a estação,
melhor dizendo,
saltavam as duas estações
que obrigam a abrigo e agasalho.
Os que desaprovam o Outono
não sabem
que o Outono não é o espelho da decadência;
é um amplexo que se ajuramenta
na renovação que encontra sedimento
na hibernação heurística.
Nós também hibernamos
sem ser um Outono
que nos desaprova.
As pessoas
invejam o Outono
porque não têm mão
na metamorfose
que é a promessa do Outono.
A lagosta é suada.
Pudera.
Com a água a ferver
que lagosta não acaba
suada?
Um dia
disse um poema
e cresci três centímetros.
No dia
a seguir
deixei que outro poema
se aninhasse no colo da manhã
e soube ser aprendiz
dos vultos selados no anonimato.
Dias
mais tarde
só me apetecia organizar
uma coletânea de poesia
diversa,
como diversa deve ser a poesia
enquanto mostruário da vida
em todas as suas conceções.
Tornei-me
ministro de uma coisa qualquer
que,
todavia,
não soube dizer qual,
num governo de um ministro só
(sem a importunação do chefe da hierarquia).
O feitiço da poesia
alcançara o sortilégio
de tornar ministro
um anarquista
que pensava não ter remédio.