24.5.23

#2792

Conta os quilómetros

nessa conta incerta

antes que os quilómetros

deem conta de ti.

23.5.23

#2791

Tanta pressa

em saber do futuro

é um oráculo

que se mata a si próprio.

Injustiças indocumentadas (109)

Quem está à espera 

da sorte

num jogo de azar?

22.5.23

Às velas

As velas

ardem a angústia

incendeiam os dias por haver.

Exilados

damos as mãos às árvores

e lemos no mar a mare de outrora

o esquecimento armadilhado.

Somos as velas

o mar, os nossos corpos

e deste fogo amamentamos tempestades.

No conhecimento do belo

que não se intimida com as palavras

não fica refém das indulgências

amordaçado nas lágrimas vertigem.

Pelas velas

aquecemos os corpos

no império da noite fria

e no sangue combustível

sermos escultores do dia sem prazo.

Aquecemos as mortalhas que embaciam a nudez.

Aquecemos as estrofes que sobem à boca 

e no miradouro da manhã

tecemos as profecias derrotadas

o véu único que nos cobre

e reserva a nudez

para nós.

E nós

com as velas que tremeluzem

sob o saque de um luar colonizador

dizemos ao vinho de que somos feitos

estas armaduras tão frágeis

estilhaços que fortalecem os corpos.

#2790

Foi por este triz

que o petiz

não se cruzou

com a meretriz.

21.5.23

#2789

Os filamentos da pele fecham-se 

urdem o seu esconderijo.

Lá fora, o mundo;

exterior 

(agressor).

20.5.23

#2788

Tornam-se insubmissas as páginas

um dicionário de desobediência.

19.5.23

6:53 am

Acorda a matilha

a água estilhaçada

deita-se sobre o silêncio

e os redimidos assobiam a manhã

exorcizando os paradeiros assombrados. 

 

A matilha

entediada pelo torpor da manhã

estremunha as lágrimas herdadas dos sonhos

no preparativo para a infâmia que é sua perícia. 

 

Os redimidos

esqueceram-se de esconjurar

um a um

os que coabitam a matilha.

#2787

Acredito no céu 

para efeitos meteorológicos e astronómicos.

#2786

Indemnize-se o presente

por danos causados 

pelo futuro.

18.5.23

Respaldo dos ruminantes

Rosnam as rosas na arruaça

os risos roçam os rouxinóis

e são as raízes reptícias 

que arruam os rapazes ruins.

Que arrotam

tão remíveis por rebeldia

por receberem dos irresponsáveis

o raspanete por não rosnarem.

Já as regras ficaram rasas

e à rasca 

roeram o resto da razão.

#2785

Os paióis

que merecem Óscares

são os que guardam flores.

17.5.23

Injustiças indocumentadas (108)

Por vir

o

porvir.

Aposta

As vidas todas 

outra vez. 

 

O nevoeiro em erupção

a manhã sem sentinela

de vez. 

 

O colibri imerso na tarde

subindo às costas do vento

de cada vez. 

 

O troco do oráculo

sem troça das mãos

mal seja a vez. 

 

A meda da fala

desembaraçada do silêncio

sem vez. 

 

O obstinado pesar

culpando o dia de sombras

com vez. 

 

A granada embainhada

e o peso gracioso da cortina puída

à vez. 

 

As flores expropriadas de odor

sobre aviões amortalhados

talvez. 

 

O poema embarcado

empresta sal ao angustiado mar

só desta vez. 

 

A sina que procura orfandade

no vagar do entardecer sincopado

em que seja vez. 

 

O sonho afeiçoado na tempestade

colhendo as pétalas maduras

uma vez. 

Injustiças indocumentadas (107)

O testa-de-ferro

é o que dá

o peito às balas.

#2784

As estrelas marejam 

uma convulsão vulcânica,

o antídoto contra os eclipses.

16.5.23

Trova

Atiro o rosto

contra a conspiração. 

Não será em mim

legítimo o medo

ainda 

que o medo morda fundo

e deixe a pele lívida

mergulhada em anestesia. 

Atiro ao medo

as munições angariadas

sirvo-me da intrepidez

e convoco o sangue para a rebelião. 

Antes que o medo se componha

e como se de uma maré viva 

me condene à hibernação,

ou à obediência. 

#2783

Estilhaços

são a herança

do futuro.

Injustiças indocumentadas (106)

O que são 

os anéis

sem 

os dedos?

15.5.23

Garimpeiro

O arco que vai da alvorada ao acaso

entra pela pele sem ser cicatriz

convoca as ondas que se levantam na nortada

e canta os diademas 

desenhados pelos dedos incansáveis. 

Habilitam-se 

os caos embutidos em azulejos diáfanos

mostram-se as coisas pelo seu avesso

proclamam-se as insolências 

que são o aval dos párias

e num golpe de asa

antes que o amanhã seja apenas outra véspera

amotina-se o espírito irrefreável

contra as muralhas que se encandeiam pela manhã

quando sobre elas sobe o sol vulcânico

e o corpo dá tudo de si 

ao dia anunciado. 

Tudo não se incendeia 

se não na perecível promessa que se encena

e as farsas continuam a cheirar 

o cu do amanhã. 

Composição

Túnel.

Fundo do túnel.

Ao fundo do túnel.

Luz ao fundo do túnel.

Luz ao fundo.

Ao fundo.

Luz.

#2782

Coroação da primavera:

a cintilação de flores

que avivam as árvores.

14.5.23

O viveiro dos gongóricos

Mastigadas as palavras

um bolo alimentar indigesto:

se houvesse por pleitos

as batalhas navais feitas de provérbios

só os indigentes estariam à altura

de campeonatos.

Mas as mastigadas palavras

pareciam

frenéticos embaixadores

em estado lisérgico

nos seus jogos escondidos

inconfessáveis:

palavras mastigadas

eram cuspidas como perdigotos

e os anátemas da gaguez caíam

como água fervente a derreter o gelo:

uma mastigada,

dizia-se,

e não era loa tributada

aos escansões das palavras

assim amarrotadas e gongóricas.

#2781

Da meada 

que se doba 

sem estafa

o labirinto.

13.5.23

#2780

Foi com este petróleo

que ateaste a candeia

e soubeste ser o que eras 

antes de te saberes em estilhaços.

12.5.23

Ouvistão & achaguistão

De repente

uma plateia de eruditos

dos que tudo sabem

cientistas eméritos

na posse de oráculos prestigiantes

reduzindo catedráticos a aprendizes

transfigurando o verbo achar

que se acha confundido

com os achamentos como opinião.

Um incómodo

neste ouvistão

cheio de achistas.

#2779

Toda esta mostarda

os bancos de nevoeiro

e os inspetores de costumes

e não se discorre a sua serventia.

11.5.23

Pele noturna

Da centelha que esmaece

o crepitar que mantém acesa

a pele nutriente.

 

O mosto aviva-se

na pessoa da noite,

os sonhos não têm propriedade;

 

são rebeldes

têm vida própria

e nós, 

o seu acaso,

deixamo-nos ser

seus peões.

#2778

Is the right

or the left

my bare foot?

#2777

Afrouxa

a frouxa

e as invetivas

ficam órfãs.