No emaranhado
que foste buscar ao passado
precisas de uma didascália,
uma memória futura
para te perderes.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
No emaranhado
que foste buscar ao passado
precisas de uma didascália,
uma memória futura
para te perderes.
Disse
às lágrimas
para serem caudal próprio.
Elas
a medo
(que a galhardia dos costumes
ainda está trespassada
pelos marialvas preceitos)
precipitaram
com modéstia.
Alguém
talvez perito em prantos
encorajou as lágrimas
deu-lhes o mapa
para se fazerem
aos rostos macios.
Nunca mais
houve fugitivos às almas
que torpedeiam
a mentira
enquanto ela se habitua
a ser mentora
da mentira a si própria.
Sabes de cor as horas
e eu ainda sondo os relógios.
A matéria sufragada
deixou de contar
e são os idiomas forasteiros
os que arrematam a inteligência.
(Já alguém disse
que falar alemão
ajuda a ser filósofo.)
A amálgama de falas
não cobre o entendimento das gentes:
por mais que um grupo sanguíneo
fale o mesmo idioma
(biológico)
os Homens insistem em apartar
como se as fronteiras fizessem
Homens diferentes.
Este é o casino solene
a quimera que ateia os déspotas
entre eles e a providência
uns gramas de indigência
que pesam as toneladas do desabamento.
Por força de decreto
as avulsas ordenanças caem sobre o palco
vítimas todos nós
reféns de uma anestesia
(que devia estar destinada à improcedência)
a vulgata enformada em traje protocolar.
Deito-me na lava que deixei à minha frente
os corsários que avulsos intimidam o sono
trovejam as pedras atiradas sobre as abóbadas
e de mim não sei se não a constelação inaugural
uma boca extintor servida nos melhores banquetes
braços e pernas presidentes
pendidas como tentáculos
generosamente
o melhor do pior
antítese.
Confiro a métrica dos medos deixada em rodapé
convoco a audácia dos demónios
entre marés providenciais e páginas esquecidas
desdobrando as fotografias sonolentas
o lume da manhã arrefecendo a carne acordada
o sufoco das tempestades sem bainha
desde o miradouro hasteado
até ao aqueduto dos cruzados.
Dou-me inteiro à tua posse
e tu
a sereia que arranca os versos
à minha boca prodigiosa
contemplas a rebeldia dos insubmissos
como sabes de cor cada centímetro de pele
e eu
sem pressa do passado
arremato dos leilões sem paradeiro
a argamassa onde tudo se ampara
onde tudo se compõe
na efémera câmara transparente
no friso puído que soletra de cor
o magma inquieto
que não tarda
é musicado em lava incandescente.
Para dizermos então
que os dicionários correm no sangue
e toda a literatura se escondeu
nos poros da pele que irradia o luar cessante
em furnas vertiginosas fugindo do crepúsculo
caiadas nos braços centrípetos da árvore-favor.
Deixo a lava onde me sentei futuramente
o sumo da lima vertido na pele cicatrizada
e sei que da lava que lavou a alma
agora acrisolada
agora
nesse preparo que é um tempo dedicado
morada em que à tua, maior, alma
se ofereceu.
Pirómano dos sentidos
denunciou o equinócio das almas
alegremente vãs
em procissões
também elas vãs
no fingimento do seu fingimento absoluto.
Oxalá fosse cimento
sussurravam as almas contra o pecado
enquanto ao céu descia
em apoplexia cortante
um Ícaro mendaz
a súmula do alarido montado
em campo térreo
e abonado de unções presunçosas.
Do estado de negação
ninguém teceu observações alusivas.
É da espécie
a especialidade de varrer o lixo
para debaixo do tapete
e fingir,
assobiando lérias,
que podiam não ser como os avestruzes.
O fogo desce ao céu
esfria a pele urdida nas fontes invernais
conspira
a distração contracenada
com os espíritos benignos que ascendem,
vultos de si mesmos,
no improvável hastear de poemas incendiados.
Combinam-se os rios modestos
com a intercessão da chuva antecipada
ao inverno:
as águas sobem ao céu
encomendadas ao ímpar murmúrio noturno:
não se esperem selas adestradas
nem vozes domesticadas;
espere-se um vulcão desamordaçado
infrene na insubmissão
colheita abastada do investimento pressentido
nas silhuetas vagas que se desenham
nas nuvens à margem.
O fogo retorna à nascente,
erupção virada do avesso.
Do perdão
não há xisto que o emoldure.
Era pelas ideias tresmalhadas.
Não esperassem elegância
vinho sumptuoso
mineração da angústia
votos pírricos
ou ideias lajeadas a purpurina
nem um módico de petróleo
só para amostra.
Era pelos ventos arcanos
aqueles que murmuram o halo vindouro
e muito embora acreditasse em anjos
(anjinhos, para melhor se expressar)
não seria vítima dos algozes avulsos:
ele era só
o homem que apanhava furacões.
O corsário desmatado cobra os juros por junto
e o rosto remoça no orvalho ditoso
que aveluda a pele massacrada.
Os dedos agarram-se ao vento mendaz
não se importam que seja mendaz
desenham a geometria das curvas
como se de retas fosse a estrada.
Os impossíveis confundem-se com farsas
o fardamento circunstancial do dia vetusto
como se fossem andrajos condecorados
e as assíduas personagens puídas
em pose agonicamente importante
insultando o momento
com pose de superioridade
(ah! os procuradores da república).
Levanta-se a ira fermentada na lente baça
o areal enfastiado pelas marés rotineiras
o tempo, que parece imóvel,
uma sucessão de pesadelos hauridos
os roteiros excretados por figuras boçais
que lavram a sala pútrida com falas malsãs
e nós, intencionalmente indiferentes,
medramos por dentro do luar poético
uma biblioteca quimérica que cabe na alma
enquanto esperamos
que o sangue
destile os morgados que se insinuam
no espelho do futuro.
Em apneia
a ler de olhos fechados
os ramos das árvores
como pauta literal
e as juras,
ah! as juras,
a caminho de serem desenfado
(sendo o desenfado
o desmame
de um fado).