Podia-se falar
de um calor de
(“eu sei lá”)
mamões.
Refúgio nas palavras. A melodia perdida. Libertação. Paulo Vila Maior
A página doze
às dezasseis e vinte e quatro minutos
as suas trezentas e quinze palavras
demoraram dois minutos e quarenta segundos
a ler.
A página treze
às dezasseis horas e quase vinte e sete minutos
as suas cento e oitenta e sete palavras
(é o fim do ensaio
sobre a mecânica das vias ferroviárias)
demoraram um minuto e cinquenta e oito segundos
a ler.
A página sem rosto
a página sem número
que se ateiam no vazio
à espera de ficarem grávidas
do precipício;
à espera
que a deslocação do vento
tenha tinta suficiente
para escrever a página catorze
e a quinze e a dezasseis
e a dezassete
e assim sucessivamente.
Dei-te o nome da manhã.
Dei-te a pele em combustão
para seres a candeia
que me resgatou da hibernação.
Os vulcões desenhados
na carne desembaraçada
desmatavam o medo.
Não queríamos fronteiras.
Deixamos em legado
o nome da manhã.
Feito com as estrofes
que depusemos
a mãos juntas.
Não ficou para trás
o comboio impertérrito
a cavalgar
nas lombadas prístinas
de estrofes frescamente matinais.
Um repente
um estatuário sismo
por dentro dos ossos gémeos
sem que haja estandarte por levantar
sem memória que seja para avivar
ou hino para falar:
uma encenação
ou farsa esculpida no barro comum
essa historieta vã
uns olímpicos sebastiões
doutores em saudades do avesso
empunhando archotes
que hibernam o presente
e devolvem trevas irremediáveis.
Nadam
para dentro de um tsunami
no logro participado de uma ilusão fátua
e todos os papelinhos estilhaçados
em fila desordenada
fazendo a vez de confettis
armadilhando o chão suado.
O pensamento faz barulho
onde o corpo se esconde
quando a matéria anoitece.
O pensamento faz barulho
onde se encontra com o silêncio
quando as mãos estrénuas
esconjuram as vozes fraquejadas.
Quando
esquartejada a angústia
em finas camadas de frio
amanhecem as luas antigas
sobre o pano desarrumado dos sonhos.
A bucólica boca bebe de um trago
toda a baba dos pesadelos arqueados.
Tece os socalcos que descem
até sobrarem os silêncio ungidos
por deuses demissionários.
Mas o pensamento
continua a fazer barulho
até onde é ermo o lugar.
E esse
é todo o património
da humanidade.
Primeiro,
ministro.
Segundo,
vítima.
[Como reabilitar uma carreira política em meia dúzia de páginas]
O mundo anda estranhamente modesto:
tem os Países Baixos
mas faltam
os países altos.
Os corpos esbracejam
multidões ansiosas por um aval
os seus abusivos xailes cobrem o silêncio.
Não há quem desmate a floresta sem luar
não há ninguém no arrumado altar das fugas
e os bardos já não têm repertório
vencendo, enfim,
o silêncio.
Os cálices maduros sobem às bocas.
Desaprenderam a nostalgia
e agora
saciados
compõem as fragas por se despenha o medo.
Sem céu por abrir ao luar
sobra a meada de neve
o longo apeadeiro onde se consomem as almas
no vindouro espelho que espartilha o passado.
O ontem
deixou uma amálgama retorcida
nomes e lugares e rostos e casas
embaraços tenentes da matéria puída
toda uma constelação de lúgubres lugares
à espera de lugar
na sepultura.
À gramática do Outono:
as folhas desmaiam
juram que voltam a ser vulcões.
Deixam nuas as árvores
remexidas pelo Inverno impetuoso.
Não há nada mais inteligente
do que o Outono.