9.1.24

#3022

Os dias simples

como o farol

que ajuda o navio

a destruir a escuridão.

7.1.24

#3021

Lançado 

na vertigem do carrossel

as palavras emudecidas

derrubavam o medo.

6.1.24

Injustiças indocumentadas (277)

A noz

do povo.

#3020

As mangas arregaçadas

os braços nus, à mostra

a empreitada que vem

no próximo apeadeiro.

5.1.24

Petróleo

Os dentes mordem a carne fraquejada

sentem o sangue morno a balbuciar

como se não houvesse inocentes

e as tábuas herdadas não fossem 

do vazamento da maré.

O cicerone aposta no esgrima

aposta no atleta com menos hipóteses

aposta que a aposta será um epílogo

se tiver vencimento.

Os dentes souberam da manhã

e a carne sabia ao crepúsculo por inaugurar.

#3019

A deriva

deriva,

à deriva.

4.1.24

Autofagia

A árvore estilhaçada

a prova de morte de um ciclone

ou apenas

o estado da arte da mão humana

avançando no agravo

de quem precisa da infâmia

para se estabelecer.

#3018

Um artesão

disfarçado de oráculo

porque o povo tem a mania

de querer saber do futuro.

3.1.24

Injustiças indocumentadas (276)

Não te preocupes

com os pontos nos i.

Preocupa-te

com os pontos

na foz das frases.

#3017

Encerrado para obras,

disse.

Era a fingir

só para fugir dos radares.

2.1.24

Junta autónoma da poesia

Escolhe um cantoneiro

um que esteja de atalaia ao asfalto da poesia

e tu, grato,

danças uma dança caótica

sabendo que é a desordem que rima

com a poesia. 

Antes da estocada final

roubas um marco geodésico

que mede a desprecisão da métrica

como tu medes o tamanho das peúgas

ou a volumetria do suor. 

De ti poderão dizer as coisas piores;

não te apoquentas:

as más profecias

são apalavradas nas tuas costas 

e tu dirás

que as costas não têm ouvidos. 

Quando chegar ao Natal,

não te esqueças 

da “lembrançazinha” 

(ah! o perfume às coisas pequeninas

ou a catedral da tão consagrada

pequenez dos costumes)

para o senhor engenheiro

que tutela

a junta autónoma da poesia.

#3016

A penumbra que fala

arranca à luz 

o silêncio sepulcral.

1.1.24

#3015

Arrancado à carne

o cadáver do ano cadivo

fica 

na alçada do olhar 

um deserto à espera de ser 

instalado.

Do lado da maré

Quero

que em galáxia se torne

o penhor de meus desejos

um miradouro sem paradeiro

onde a paisagem é esculpida por mim

às mãos fugitivas que se desaconselham.

Como se fôssemos todos apátridas

todos

os guarda-luas diligentes

que não perdoam a indigência 

a verdade teimosamente disfarçada de verdade

a utopia hasteada a hino sem bandeira

todo um labirinto sonhado 

enquanto o entardecer proclama 

a noite duradoura.

31.12.23

#3014

Cautela

à cautela;

não se torne 

a sorte

um revés.

#3013

A luz 

entrecruza-se

com os poros

desenha-lhes

as cores amargas.

#3012

Todas essas palavras

aninhadas 

na nuca do pensamento,

à espera de resgate.

30.12.23

#3011

A tabuada dos síndicos

é onde são coladas

e com cuspo

as leis da (sua) moral.

29.12.23

#3010

Perdera do norte

a infância;

talvez

a matriz de um tempo

irrecuperável.

28.12.23

#3009

A mentira

na sua intencionalidade

desenha as fronteiras

da desmemória.

 

[Antevéspera de campanha eleitoral]

27.12.23

Injustiças indocumentadas (275)

Tanta gente

a fazer face.

Deve ser este

um país de escultores.

#3008

A banalidade da verdade

traduz 

a acareação em método.

26.12.23

#3007

Diziam

às estrelas

ser farta a safra

e pediam

que da atalaia.

não se esquecessem.

Injustiças indocumentadas (274)

Dizer

já não tenho idade

é o passaporte

para interromper o envelhecimento.

25.12.23

#3006

As montanhas

é que movem

a fé.

24.12.23

#3005

Damos notícias

e não somos

jornalistas.

Injustiças indocumentadas (273)

Mary,

Christmas.

23.12.23

#3004

Seriam precisas

chaminés mais largas

para receber

anafados pais natais.

Injustiças indocumentadas (272)

O fala-caro

arrota

rebuçados de ouro.

22.12.23

Agarro-me ao mar enquanto não vou de braços à maré

O estribo aperta o corpo ao mastro

e não há mar em convulsão

mas de gigantes ondas perfumado pela ira

a demover a vontade rainha.

O esqueleto sabe de cor as curvas das ondas

sobe pelo mastro até se tornar altivo

o desafio insolente à pureza cínica do mar;

não se tolhe 

a coragem de marinheiros desta cepa

não desistem da manhã

nem em noites de medonhos pesadelos

boicotam o mar desarrumado

e ordenam

com voz sibilina e estrofes amadurecidas

para o mar se reduzir à serenidade mirífica.

Os navios erram na bússola predestinada

orquestram os sulcos com que colorem o mar

sabendo-se

que neles habitam 

as vozes que desistem da angústia

as vozes que não se esgotam na saliva rarefeita.

São os bancos graníticos que sobem 

quando as ondas se desfazem 

num punhado de espuma

quando se descobre que não há orquídeas;

são as vozes desistentes dos embarcadiços

que não escondem os arsenais sem recursos

as vozes

que desenham os parapeitos

que ajudam os corpos a serem preces

enquanto lá fora

sob os auspícios de uma tempestade armadilhada

os corpos precoces são despedaçados, 

pela centelha que se traduz

em dicionário fora de curso,

por estilhaços.